Uma exposição sobre o amor na igreja baseada em 1Co 12.31b-13.13
O capítulo 13 da carta de 1 Coríntios provavelmente é um dos mais famosos do Novo Testamento. Conhecido por muitos, usado em canções, lido em casamentos e gravado por locutores, é também mal compreendido. Afinal, por que Paulo escreve esse texto? Qual é a importância desse amor que o apóstolo menciona para a igreja de Corinto a para nossa igreja atualmente? Para o apóstolo, amor é algo muito diferente do que o conceito contemporâneo define, e por isso, é o caminho sobremodo excelente para uma igreja dividida como a de Corinto – e, consequentemente, para as nossas também.
PROLEGÔMENOS
Texto: 1 Co 12.31b-13.13[1]
1. Introdução
Imagine que você está se preparando para viajar de carro para um lugar onde nunca foi e não faz a mínima ideia de como chegar. Isso é um problema! Então, olha na internet o mapa, que mostra vários caminhos para o mesmo destino.
Como você decide que caminho tomar? Procura no mapa a maneira mais complicada, demorada e perigosa de chegar? Ou você procura o caminho mais agradável, rápido e seguro?
O mais provável e comum é que você se decida pelo melhor caminho. Então traça o que julga ser a melhor rota, ou confia essa decisão à um aplicativo de GPS. O fato é que a partir disso, você ou qualquer pessoa, parte com confiança ao destino. Se havia um problema, achou-se a solução.
O cap. 13 da primeira carta aos coríntios é isso: um mapa. Neste mapa está a melhor maneira, o melhor caminho, a Excelente solução para a divisão, chamada “amor”.[2]
2. Contextualização
Para entendermos a natureza da divisão presente na igreja de Corinto, é necessário nos informarmos sobre onde ela estava.
a. Uma cidade proeminente
A cidade de Corinto era notável em vários aspectos. Havia sido destruída pelo império romano (146 a.C.), mas um século depois, por ordem do próprio Júlio César, foi reconstruída, florescendo numa nova existência e tornando-se capital da província.
Na Economia, era estrategicamente posicionada: tanto por terra quanto por mar era parada das rotas comerciais, o que lhe trouxe muitas riquezas. Na cultura, era elevada: os edifícios de Corinto refletiam a alta arquitetura romana; seu talento era evidenciado pelos frequentes jogos atléticos e pelas performances dramáticas e de oratórias. Na população, era diversa: escravos libertos, soldados aposentados, judeus e outros grupos menores conviviam juntos.[3] No status, era romanizada: o povo de Corinto tinha em alta conta os valores greco-romanos como honra, status e poder; eles “ansiavam todas as coisas romanas”[4]. Contudo, na religião, era depravada: possuíam templos para muitas deidades romanas. Apollo (o deus-sol), Asclepius (o deus da cura) e Octavia estavam entre os mais proeminentes na cidade. Há relatos de que havia mais de mil prostitutas cultuais no templo de Afrodite[5], a deusa do amor, onde orgias a céu aberto aconteciam como parte do culto a ela.
Essa era a cidade de Corinto, uma cidade de excessos. Do dinheiro à depravação, passando por todas as áreas da vida. Uma cidade grande, mas submersa em trevas.
b. Uma igreja problemática
i. A fundação da igreja
É justamente nesse contexto que chega o apóstolo Paulo. Após uma passagem com pouco sucesso por Atenas (At 17.32-34), pela graça de Deus e poder do evangelho, planta uma igreja em Corinto. Ele ainda permanece um ano e meio na cidade (At 18.1-17), depois parte para Éfeso, para lá pregar (At 18.18-19).
ii. A inconstância da igreja
Infelizmente, não demorou muito tempo para aquela igreja se afastar do ensinamento apostólico. Paulo, então, com seu coração pastoral e seu domínio teológico, escreve cartas para orientá-la.
iii. Os informantes da igreja
A carta que conhecemos como “Primeira carta aos coríntios”, é na verdade, a segunda carta que Paulo escreve para aquela igreja.
A primeira carta, nós não a temos; perdeu-se na história. Mas os coríntios a conheciam bem, tanto que é mencionada em 1 Co 5.9, quando Paulo diz: “Já em carta vos escrevi que não vos associásseis com os impuros”,[6] sem muitas explicações. Esse versículo sugere que, pelo menos em parte, os problemas da união dos cristãos com os sexualmente impuros (imorais) eram do conhecimento do apóstolo. Mas, essa carta aparentemente não surtiu o efeito esperado.
Além dos problemas já conhecidos, Paulo toma conhecimento de outros mais. Suas fontes de informações eram duas: (1) os membros da casa de uma senhora cristã chamada Cloe (1.11), e (2) uma comissão de irmãos vindos da igreja de Corinto com uma oferta e uma carta contendo perguntas (16.17). E elas testificavam que a situação havia piorado.
Paulo, então, escreve a “primeira carta aos coríntios”, nosso objeto de estudo. Uma carta, a fim de instruí-los mais um pouco.
Havia problemas de ordem moral, doutrinária e litúrgica. Havia divisões na igreja (1 Co 1-4), frouxidão na disciplina (5.1), um irmão processando outro em tribunal secular (6.1), imoralidade (6.15), questões relacionadas com o casamento e celibato (cap. 7), os “fracos” e os “fortes” divididos quanto a comer carne sacrificada aos ídolos (8-10) e uma heresia sobre a ressurreição (15.12). Era, com o perdão do trocadilho, “a catástrofe corintiana”, segundo Jorge Gardiner, o que estava acontecendo naquela igreja.[7]
c. A importância do “caminho sobremodo excelente” em 1 Co 11-14
Tudo isso tinha reflexos no culto, onde reinava desordem e confusão. Paulo chega a falar que era pior quando eles se juntavam para cultuar do que quando eles estavam separados (11.17). O cap. 11 ao 14 da carta, é justamente uma orientação aos problemas do culto público dos coríntios.
i. Os princípios doutrinários fundamentais do culto espiritual
Paulo, nesses capítulos, instrui uma comunidade que se vangloriava de possuir um culto muito “espiritual”, mas que, ao mesmo tempo, contradizia essa reivindicação. Podemos resumir o ensino de Paulo nesses capítulos em três princípios doutrinários fundamentais[8]:
- Culto “no Espírito” não é contrário à decência e propriedade (cap. 11);
- Culto “no Espírito” não é contrário à ordem (cap. 12-13);
- Culto “no Espírito” não é contrário à edificação (cap. 14).
“Decência, ordem e edificação. Essas coisas não são contrárias a um culto verdadeiramente espiritual.”[9]
ii. O lugar de 1Co 13 na discussão sobre o culto público[10]
É possível e natural que uma pergunta nesse momento surja: “qual a relação que há entre um capítulo sobre amor com o culto público?” A relação é completa. Tanto, que alguns chegam a afirmar que se Paulo não tivesse à mão esse trecho pronto, teria que compor algo muito parecido com ele.[11]
O amor, tratado no capítulo 13, é o elo que une vários assuntos da carta. Por exemplo, Paulo o menciona em 8.1, antes de falar sobre alimentos que eram sacrificados a ídolos (capítulos 8-10), das vestes no culto público (11.2-16) e da celebração da ceia (11.17-34).
Seria difícil enfatizar demais o compromisso de Paulo com o amor entre os cristãos. O princípio do amor aos outros guiou sua discussão sobre a adoração. Ele exortou os crentes a restringir suas liberdades por causa dos outros. Ele argumentou que a preocupação com a honra de seu marido deve orientar o comportamento das esposas, e ele disse aos ricos crentes para se certificar de que os pobres receberam a Ceia do Senhor.[12]
Agora, do cap. 12-14, o apóstolo deseja tratar sobre o uso dos dons espirituais no culto. Os dons que eram dados por Deus para edificação e serviço do seu povo, estavam sendo motivo para mais divisões, inveja e vanglória. Na aglomeração das pessoas, acumulava-se o que os dividia. No ajuntamento dos santos, manifestava-se a pecaminosidade. Tentando ser demasiadamente espirituais, ficava evidente a carnalidade dos coríntios.
Por isso, Paulo, não apenas como um mapa que aponta a melhor rota, mas como um pastor que guia suas ovelhas confusas, se propõe a mostrar a melhor maneira de viver como um membro do corpo de Cristo. Ele mostra “o caminho sobremodo excelente” (12.31b) chamado amor.
Para ele, o amor, fruto do Espírito, é a solução de Deus, “um caminho sobremodo excelente”, para uma igreja dividida. Essa solução passa pelo entendimento da supremacia do amor (v. 12.31b-13.3), da ontologia do amor (v. 4-7) e da perenidade do amor (v. 8-13).
Em outras palavras, Paulo mostra aos coríntios que o amor é a excelente solução para a divisão.
EXPOSIÇÃO
1. A supremacia do amor (v. 12.31b-13.3)[13]
Para provar que o amor era a solução excelente para a divisão, Paulo começa mostrando a supremacia do amor sobre os dons espirituais que coríntios tanto buscavam e se vangloriavam de possuir. Para isso, utiliza-se de um recurso literário chamado hipérbole.[14]
A hipérbole é uma ênfase expressiva resultante do exagero proposital. É muito comum em nosso cotidiano. Todas as vezes que ouvimos alguém dizer, por exemplo: “morrer de medo”, “estourar de rir”, “um mundo de gente”, estamos exagerando para mostrar o quanto estamos com fome, o quanto estamos rindo ou a grande quantidade de pessoas em algum local. Estamos usando hipérboles.
Para Paulo, esse recurso também era comum:
- Em Rm 9.27, ao citar o profeta Isaías, diz: “Ainda que o número dos filhos de Israel seja como a areia do mar, o remanescente é que será salvo.” A implicação é natural. Sabemos que não existe nenhuma nação grande como a areia do mar. Ainda que existisse, somente o “remanescente é que será salvo”.
- Aqui, na carta de 1 Co 4.15, Paulo já havia dito: “ainda que tivésseis milhares de preceptores em Cristo, não teríeis, contudo, muitos pais”. Os coríntios sabiam que não era possível ter tantos preceptores assim. Mas, ainda que fosse possível, não teriam muitos pais. Paulo ainda seria pai espiritual deles.
Do v. 1-3, o apóstolo está fazendo o mesmo a partir de três comparações, selecionadas de acordo com os problemas da igreja de Corinto.
a. O dom de línguas (v.1)
Os coríntios valorizavam e abusavam do dom de línguas em seus cultos (cf. 1Co 12.10, 28; 14.4-6, 13-14; etc.). Não é sem motivo que Paulo começa por esse dom – o apóstolo não agia aleatoriamente.
Segundo ele, era possível alguém falar as línguas dos homens, ou seja, idiomas. Isso havia acontecido em pentecostes (At 2.5-13) e estava acontecendo na igreja de Corinto. Mas ele exagera intencionalmente dizendo que ainda que alguém falasse a língua dos anjos, sem amor seria como “como o bronze que soa ou como o címbalo que retine”.
Paulo não está defendendo a possibilidade de alguém falar a língua dos anjos, como alguns afirmam. Segundo Daniel Wallace, “é provável que Paulo pudesse falar na língua de homens, mas não na língua de anjos (v. 1).” E conclui: “1 Co 13.1, então, não oferece nenhum conforto para aqueles que veem línguas como uma língua celestial.”[15]
O que o apóstolo está dizendo aqui é que mesmo se ele falasse todas as línguas possíveis, quer humanas ou angelicais, sem amor, não passaria do tilintar de um instrumento monótono, metálico e estridente. Essas línguas não passariam de barulho irritante.
b. O dom de profecia (v. 2a)
Na teologia de Paulo, o dom de profecia era mais desejável do que outros. No início do próximo capítulo, ele fala da profecia como o maior dos dons espirituais, pois o profeta fala a verdade de Deus para a edificação das pessoas (14.1-5). O próprio apóstolo era um profeta (At 13.1).
É importante dizer que o profeta que Paulo tem em mente aqui é o do AT, que recebia revelação direta de Deus e a transmitia para o povo. Esse profeta jamais profetizava algo que não fosse consoante à Lei mosaica, assim como os profetas do NT não podiam falar nada que fosse contraditório à revelação do Evangelho de Cristo, através dos apóstolos. (Cf. 14.36-38). Inclusive, em 1Co 14.6, o apóstolo conecta o dom de profecia com “ciência” e “doutrina”.
Mas, ainda que ele fosse um profeta onisciente, que conhecesse tudo, assim como Deus, o que é impossível, se não tivesse amor, nada seria.
É interessante notar que tanto no dom de línguas quanto no profético, não são os dons que perdem o valor sem amor. Sou eu mesmo.[16] É como se o fato de exercer os dons sem amor, “tenha deixado um efeito permanente em mim que tenha diminuído meu valor e me transformado em algo que não deveria ser.”[17]
c. O dom da fé (v. 2b)
Com o dom da fé, é a mesma coisa. A fé em questão aqui não é salvífica. É uma alusão às palavras de Jesus (Mc 11.23) e uma menção ao dom já falado por Paulo em 12.9.[18] Durante toda a história da igreja ninguém obteve tamanha fé para, literalmente, mover montanhas.[19] Mas, ainda que alguém a possuísse, sem amor nada seria.
Jonas, por exemplo, tinha muita fé. Foi por causa de sua grande crença na eficácia da Palavra de Deus que ele resistiu a pregar para Nínive. Ele não tinha medo do fracasso, mas do sucesso. Pela fé, sabia que viria salvação a Nínive, mas o profeta foi um grande fracasso. A pregação operou um grande milagre, como ele provavelmente acreditava que seria, mas o pregador era um nada.
d. As obras exteriores de caridade (v. 3)
De comparações impossíveis, hiperbólicas, Paulo passa para situações difíceis de se encontrar.
Nem sempre o auto sacrifício vem acompanhado de amor. Ainda que alguém, num ato filantrópico, distribua todos os seus bens[20], ou num ato heroico entregue seu corpo para ser queimado[21], não teria nenhum proveito sem amor.
Quantos grupos terroristas e seitas no decorrer da história não propuseram morte aos seus fiéis, a fim de obter o favor divino ou conseguir algum tipo de recompensa? Quantas pessoas motivadas por uma compreensão equivocada não venderam seus bens e até mesmo buscaram o martírio, achando que isso em si agradaria a Deus? Tudo isso, com sua aparência espiritual, não passou de vaidade carnal. Assim como eram as manifestações carismáticas dos coríntios sem amor.
e. Conclusão
O apóstolo vai do possível ao impossível, do real para o hipotético, a fim de mostrar que mesmo se o impossível fosse feito, sem amor, não adiantaria nada, tudo seria inútil para o reino de Deus, pois não produziria edificação ao corpo da igreja.
Além disso, podemos concluir nestes versículos, que é possível ter os dons do Espírito e não possuir o Fruto do Espírito (Gl 5.22,23). O Fruto do Espírito pode e deve ser buscado!
f. Aplicação
- Podemos falar todas as línguas do mundo e até do céu, sermos as pessoas mais eloquentes, as melhores oradoras, que sem amor nossos discursos não passarão de barulho irritante para as pessoas. Talvez seja isso que está faltando na nossa comunicação.
- Podemos dominar todo o conhecimento dos homens e de Deus, ser conhecedores de toda a doutrina reformada, os melhores em ciência e teologia, e ainda assim não sermos nada. Podemos ser os maiores doutores da terra, mas não passarmos de homens arrogantes na obra do Senhor por não ter amor.
- Para quem é ou será pastor, cabe um aviso: não basta sermos os melhores homiletas ou teólogos. Precisamos amar o rebanho de Deus, senão nada seremos e nossas palavras podem até mesmo machucar as ovelhas.
- O texto nos mostra que é possível executar grandes coisas, milagres, e ainda assim, não ter amor. Judas Iscariotes, por exemplo, fez todos os milagres que os apóstolos fizeram: expulsou demônios, curou leprosos, cegos e aleijados. Mas foi rejeitado. Ele não amava Jesus Cristo, não amava seus irmãos, não amava a Deus. Seus dons miraculosos de nada lhe aproveitaram.[22]
- Manifestações espirituais por si só não significam que uma igreja é espiritualmente saudável. A espiritualidade de uma igreja não se mede pela quantidade de pessoas nos cultos, pelas manifestações sobrenaturais ou pela quantidade de dons. Sim, pelo amor. Pela busca do Fruto do Espírito Santo.
- Deus não está interessado em quantas línguas falamos ou em quantos mortos ressuscitamos. Ele está interessado se amamos.
- Para sanar as divisões em nossas igrejas, precisamos de um avivamento do amor. Amor entre marido e mulher, filhos e pais, entre o conselho, junta diaconal, pastores, etc. Sem amor, qualquer outra tentativa e método resultará em carnalidade, assim como era entre os coríntios.
Qualquer pessoa sem amor não produz nada, não é nada, e não ganha nada, pois o amor é supremo sobre os dons espirituais. Ele é a excelente solução para a divisão.
2. A ontologia do amor (v. 4-7)[23]
Da supremacia (v. 1-3), Paulo vai para a ontologia do amor (v. 4-7). A palavra “ontologia” significa o estudo ou doutrina que investiga as características fundamentais do ser.[24] E quando falamos de “ontologia do amor”, estamos falando das características que Paulo reconhece, percebe no “ser amor”. Na verdade, Paulo parece estar falando sobre o “amor” como uma pessoa. Quem é esta pessoa? Muito provavelmente Paulo está pensando no próprio Jesus, que é o “amor” personificado. Lembrem-se, Paulo introduziu esta passagem com as palavras: “Passo a mostrar-vos o caminho sobremodo excelente” (12.31b). Jesus é esse “caminho”, o “caminho” do “amor”.[25]
A lista que ele usa aqui não é exaustiva, mas apologética. “O amor é mais descrito do que definido; e até mesmo essa descrição é mais prática do que teórica.”[26] Paulo escolhe categorias da ontologia do amor destinadas a combater problemas específicos na igreja de Corinto.[27] Mas, antes de as abordar, é necessário falar da palavra que ele usou para se referir ao “amor”.
a. A palavra “amor” como conceito bíblico
Talvez não haja palavra ou conceito bíblico que tenha sofrido mais desgaste do que o “amor”. Para Paulo o amor não é um sentimento pueril, muito menos romântico nos nossos termos contemporâneos. Para ele aqui, o amor não é símbolo de paixão desenfreada, relacionada ao sexo, muitas vezes fora do casamento – e que só traz destruição, frustração e a ira de Deus. Para o apóstolo, amor não é desculpa para o pecado ou validação do que Deus condenou – “se tem amor é permitido”, como dizem.
A palavra que Paulo usa aqui, traduzida por “amor”, é ágape.[28] É um amor sacrificial, “uma preocupação centrada no próximo, expressa a grande custo pessoal.”[29] No NT, o padrão para ágape é o amor de Deus pelas pessoas; A ação de Deus ao enviar Seu Filho para morrer por pessoas é descrita como ágape em 1 Jo 4.10. No entanto, a afeição e disposição humana para com Deus pode ser motivada por ágape, como o “amor constrangedor de Cristo” em 2 Co 5.14. Dentro da esfera das interações humanas, ágape está focado nas relações interpessoais dentro da comunidade da Igreja. Paulo diz aos leitores que “acima de tudo, porém, esteja o ágape, que é o vínculo da perfeição” (Cl 3.14) e “não useis da liberdade para dar ocasião à carne; sede, antes, servos uns dos outros, pelo ágape” (Gl 5.13).
Amor, para Paulo, é uma ação ativa e decisiva, não um conceito abstrato. É uma contradição ao homem natural[30], especificamente, em contraste com a situação espiritual da igreja de Corinto. E para demonstrar esse contraste, ele passa a mostrar algumas características da ontologia do amor.
b. O que é o amor (v. 4a)[31]
i. O amor é Paciente
A palavra grega traduzida como paciência (μακροθυμέω), significa literalmente, ter “ânimo longo”, em contraste ao que tem “pavio curto”. É uma característica que os coríntios precisavam ter para manter a unidade da igreja, inclusive, no culto público. Faltava-lhes amor paciente, que suporta as injúrias.
Paciência ou longanimidade, é também uma qualidade de Deus, intimamente ligada à “misericórdia” (cf., e. g., Sl 103.8). Robert Ingersoll, um ateu bem conhecido do século passado, muitas vezes, parava no meio de suas palestras contra Deus e dizia: “Darei a Deus cinco minutos para me atacar pelas coisas que eu disse.” Ele então usava o fato de que não estava ferido de morte como prova de que Deus não existe.[32]
Que pretensão de Ingersoll achar que podia esgotar a paciência do Deus eterno em apenas cinco minutos.
ii. O amor é Benigno
O amor também é benigno (χρηστεύομαι), ou seja, faz atos de bondade para com os outros, sem interesses pessoais. Como essa atitude seria útil na igreja de Corinto. Se eles fossem benignos não estariam se dividindo de dentro para fora, mas costurando-se, unindo-se em amor e pelo amor.
É interessante notar que, assim como acontece aqui, várias vezes Paulo conecta a “paciência” e a “bondade” como sendo qualidades do próprio Deus (Rm 2.4). Além disso, também são inspiradas pelo Espírito Santo nos crentes (Gl 5.22, 2Co 6.6).[33]
Em Gl 5.22, temos: “Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade…” O fruto do Espírito capacita o crente a viver em comunidade. Pois, se por um lado o amor suporta injúrias, por outro lado, ele retribui de maneira diferente, contrária ao que foi recebido.
c. O que o amor não faz (v. 4b-6)
Paulo continua sua especificação da ontologia do amor. Da afirmação do que o amor é, ele passa a explicar o que o amor não faz. Para isso, lista uma série de construções negativas.
i. O amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece (v. 4b)
O amor não arde em ciúmes, não vive comparando-se com os outros, ou se ressente quando percebe outros que são melhores. Pelo contrário, o amor se alegra quando outros estão sendo usados e quando Cristo está sendo glorificado.
Amor não se ufana; literalmente, não “se infla” (περπερεύομαι). Ou seja, aponta para suas próprias virtudes, não se gaba dos seus feitos, não conta vantagem para impressionar os outros e ganhar aplausos. Isso não é espiritual, mas carnal. Jesus, no Sermão do Monte, havia ensinado que atos religiosos deveriam ser feitos com descrição, para a glória de Deus, não para os holofotes humanos (Mt 6.1-3).
O amor não se ensoberbece. O verbo grego “ensoberbecer-se” (φυσιόω), usado aqui, só ocorre 7 vezes no Novo testamento.[34] Das 7, 6 vezes em 1 Coríntios (4.6, 18, 19; 5.2; 8.1; 13.4)[35] Uma das grandes preocupações de Paulo era a soberba dos coríntios. Alguns deles eram tão soberbos a ponto de rejeitar o ensino apostólico (4.17-19); a soberba os impedia de serem críticos com os próprios erros (5.2) e estava fazendo irmãos mais fracos tropeçar (8.1,10).[36]
Em suma, o amor não é ciumento: os que não possuíam dons deveriam aprender essa lição. O amor não se vangloria: os que possuíam dons deveriam aprender essa lição.[37] Somente debaixo desses aprendizados a divisão seria vencida e o verdadeiro culto espiritual aconteceria naquela igreja.
ii. O amor não se conduz inconvenientemente, não procura seus interesses, não se exaspera (v. 5a)
O amor não se conduz de maneira inconveniente, ou seja, “não se porta com indecência” (Almeida Sec. XXI). A palavra grega aqui (ἀσχημονέω) já havia sido usada por Paulo em 7.36, onde um homem estaria se comportando inconvenientemente ao provocar os sentimentos de uma jovem, mas recusar-se casar com ela.
Quem ama, cumpre suas responsabilidades, não provoca demandas sentimentais que não pretende honrar ou possui condutas sexuais inapropriadas.
O amor não procura seus interesses, é altruísta. Paulo, mais uma vez, retoma uma instrução já dada em 10.24: “Ninguém busque o seu próprio interesse, e sim o de outrem.” Ele fala isso ao achar atenção daqueles que comiam carne sem pensar nos “fracos”. Além disso, havia aqueles que no culto falavam em línguas de maneira egoísta, sem pensar naqueles que não falavam. “O amor não somente não busca aquilo que não lhe pertence; também está pronto a se desfazer até daquilo que é seu para o bem dos outros.”[38]
O amor, em nossos relacionamentos pessoais, não se exaspera.[39] Ou seja, não se enfurece, não é supersensível, que se exalta por qualquer coisa. O que Paulo condena aqui é a revolta diante das provocações de outros, que é produzida por falta de amor. Prática presente naquela igreja.
Em resumo, o amor não faz o que não deve, porque o bem comum, a comunhão está antes das vontades individuais. O amor abre mão de si por outrem, ainda que este o provoque.
iii. O amor não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade (v. 5b-6)
Os relacionamentos humanos são complicados. E se uma ofensa real ocorrer? Segundo Paulo, ressentimentos malignos não devem ser guardados. O amor não guarda listas de injúrias, antes, as esquece, exclui tal recordação. “Ele não leva o mal em conta.” [40]
O amor não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Paulo estabelece um contraste claro entre injustiça e verdade. É um contraste ético, entre o que é correto e o que não é, entre o que Deus aprova e o que não aprova. Provavelmente está dizendo aos coríntios que não deveriam alegrar-se diante dos pecados não tratados da igreja, como, por exemplo, o já mencionado incesto do cap. 5. Jonathan Leeman, em seu livro “A Igreja e a surpreendente ofensa do Amor de Deus”, diz:
O fato de compartilhar o amor de Deus com os outros nos envolve na disciplina, até mesmo na disciplina da igreja. Como podemos amar as pessoas e não tratá-las da mesma forma que Paulo tratou o homem adúltero de 1 Coríntios 5, que a si mesmo se enganava? Como podemos amar as pessoas que pecam contra nós e não tratá-las do modo como Jesus nos instruiu, em Mateus 18?[41]
Ele conclui incisivamente: “chegar a entender o que a disciplina na igreja tem a ver com amor pode abalar o seu mundo. Pode até mesmo salvar sua alma.”[42]
Os coríntios tinham cultos eufóricos e animados, mas toleravam e se alegravam com a presença do pecado. Seus ajuntamentos eram tudo, menos verdadeiramente espirituais. Gente espiritual não consegue se alegrar ou celebrar diante da injustiça do pecado, mas se alegra quando a verdade de Deus é exaltada.
d. O que faz o amor (v. 7)
Depois de mostrar o que o amor é e não faz, Paulo, agora, se propõe a dizer o que o amor faz. Para isso, ele usa o termo “tudo”[43] quatro vezes, provavelmente como recurso retórico, indicando o apogeu da descrição das características ontológicas do amor.
i. Tudo sofre
A palavra traduzida como “sofre” (στέγω), pode ser traduzida como “cobrir”, “ocultar”.[44] Talvez Paulo tivesse em mente o conceito de 1 Pe 4.8, que “o amor cobre multidão de pecados” – ou seja, os perdoa e suporta. Em 1 Co 9.12, ele já havia usado essa palavra, referindo-se a si mesmo, ao dizer: “suportamos tudo, para não criarmos qualquer obstáculo ao evangelho de Cristo.”
ii. Tudo crê
O amor não é suspeito, mas prontamente acredita no que as pessoas dizem em sua própria defesa. Normalmente o verbo “crer” (πιστεύω) é associado a Deus, Cristo, o Evangelho, etc. Aqui, está associado a tudo. Isso combina do que é dito a seguir.[45]
iii. Tudo espera
O amor tudo espera (ἐλπίζω), ou seja, tem esperança de receber o melhor em relação a todos.[46]
iv. Tudo suporta
A palavra grega (ὑπομένω) é realmente uma palavra militar e significa resistir ao assalto de um inimigo. Por isso, é usado no Novo Testamento para expressar a ideia de suportar o sofrimento ou perseguição (2 Tm 2.10, Hb 10.32, 12.2).[47]
O versículo 7 de 1Co é uma voluntária restrição da liberdade pessoal que o amor exige, já discutida por Paulo anteriormente na carta (especialmente nos cap. 8 e 9).[48] Por causa do pecado, há sempre coisas nos outros para “sofrer”, “acreditar”, “esperar” e “suportar”. Seu comportamento sempre testa nossa paciência, confiança e esperança, assim como nosso comportamento testa o deles. Claramente amor requer decisão e esforço; não é apenas um sentimento ou uma emoção. Na verdade, é um teste de caráter.[49]
e. Ilustração
A exposição da ontologia do amor que Paulo faz, demonstra o quanto nosso conceito de amor está deturpado. Sobre isso, em específico, as crianças estão melhores do que a maioria dos adultos. Foi feita uma pesquisa nos Estados Unidos, entre crianças de 4-8 anos sobre o que é o amor. Vejam algumas respostas:[50]
- “Amor é quando alguém te magoa, e você, mesmo muito magoado, não grita, porque sabe que isso fere os sentimentos da pessoa”. (Mathew, 6 ANOS)
- “Quando minha avó pegou artrite, ela não podia se debruçar para pintar as unhas dos dedos do pé. Meu avô, desde então, pinta as unhas para ela, mesmo quando ele tem artrite.“ (Rebecca, 8 anos)
- “Amor é como uma velhinha e um velhinho que ainda são muito amigos, mesmo se conhecendo há muito tempo.” (Tommy, 6 anos)
- “Amor é quando você sai para comer, e oferece suas batatinhas fritas sem esperar que a outra pessoa te ofereça as batatinhas dela”. (Chrissy, 6 anos)
- “Amor é quando minha mãe faz café para o meu pai e toma um gole antes para ter certeza que está do gosto dele.” (Danny, 6 anos)
- “Durante minha apresentação de piano, eu vi meu pai na plateia me acenando e sorrindo. Era a única pessoa fazendo isso e eu não sentia medo.” (Cindy, 8 anos)
- “Quando você fala para alguém algo ruim sobre você mesmo, e sente medo que essa pessoa não venha a te amar por causa disso, aí você se surpreende, já que não só continuam te amando, como agora te amam mais ainda!” (Samantha, 7 anos)
- “Se você quer aprender a amar melhor, você deve começar com um amigo que você não gosta”. (Nikka, 6 anos)
- “Há dois tipos de amor: o nosso amor e o amor de Deus. Mas o amor de Deus junta os dois.” (Jenny, 4 anos)
f. Conclusão
Do v. 4-7, Paulo pinta um quadro intitulado “ontologia do amor”. Pousando para esse quadro como modelo está a pessoa do Senhor Jesus, o amor personificado, aquele que é o próprio caminho não apenas para a salvação mas para toda controvérsia e divisão no meio de sua igreja.
“A congregação reunida deve ser o lugar onde ágape (‘amor’) deve ser mais claramente visto. Mas foi precisamente nesse ponto que os coríntios ‘dotados’ falharam. Eles exerceram seus ‘dons’, não para o bem de seus companheiros, mas para si e seus próprios egos.”[51] “O que Paulo diz reflete inversamente, como um espelho côncavo, a situação decadente da igreja.”[52]
g. Aplicação
- O amor é mais que um sentimento. É possível termos sentimentos por alguém, mas não termos amor. O amor é uma atitude ativa e decisiva.
- Quem ama, mesmo que não se sinta bem, suporta, serve, confia, é paciente e benigno.
- Reafirmo: o amor é o fruto do Espírito e deve ser buscado intensamente. O amor é decisivo na nossa santificação. Sem amor, não somos santos, não nos parecemos com Cristo (como ele é descrito aqui).
- A presença desse amor personificado é um critério infalível da presença do Espírito. Essa qualidade de amor não pode ser imitada pelos pagãos em seus cultos de mistério.
- É por isso que o próprio Jesus declarou ser a característica distintiva de seus seguidores; pois é essa qualidade de amor que ele pressupõe quando diz: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros.” (Jo 13.35)
- Quem ama, se santifica não apenas por si, mas também por seu irmão. Nosso pecado afeta aqueles que estão ao nosso redor. Se amamos o Senhor e nosso irmão, devemos buscar o fruto do Espírito.
- O amor se entristece com a injustiça do pecado. Quem viola seu irmão, moralmente, psicologicamente, espiritualmente ou sexualmente, viola a própria Lei de Deus. É por isso que a ontologia do amor, que caracteriza Jesus, em toda sua santidade, nos leva à pratica da disciplina eclesiástica. Tudo isso porque, como povo verdadeiramente espiritual, não aceitamos continuar nos alegrando, sendo coniventes com o pecado.
- O amor se alegra com a verdade. Nossos corações devem estar satisfeitos e contentes no Senhor quando, em nossos cultos, a verdade de Deus for exaltada, ensinada e pregada, não quando houver manifestações de euforia ou emocionalismos.
Um entendimento errado sobre o amor, nos fará entender equivocadamente o que é a verdadeira espiritualidade. Precisamos, assim como os coríntios, entender a ontologia do amor, pois o amor é a excelente solução para a divisão.
3. A perenidade do amor (v. 8-13)
O amor não é apenas superior e diferente em sua natureza, ou ontologia, dos dons. Ele é perene. Perene é algo que nunca se interrompe, dura para sempre. A perenidade destaca a eternidade do amor.
É isso que o v. 8 começa dizendo: “O amor jamais acaba”. Literalmente, ele jamais “falha” ou “entra em colapso”.[53] O que Paulo quer mostrar é que a excelente solução para a divisão da igreja de Corinto não é uma tendência que logo precisará ser substituída para satisfazer o senso de novidade das pessoas. Muito menos é um método humano que pode ficar ultrapassado com novas descobertas. Essa solução é o amor – e ele é perene! Ele não poderia ser diferente, pois é um dos atributos de Deus. “Ele ultrapassa a morte chegando à Eternidade!”[54]
Para mostrar a perenidade do amor, Paulo o compara com os dons que os coríntios mais valorizavam e depois ilustra com duas analogias.
a. A perenidade do amor em contraste à transitoriedade dos dons (v.8b-10)
Paulo já tinha feito comparação entre o amor e os dons, mas aplicando isso em nível interpessoal, entre os membros daquela igreja. Agora, ele volta a fazer comparações, contudo, aplicando ao nível cósmico da escatologia paulina e cristã.
O contraste que Paulo estabelece é entre a perenidade do amor e transitoriedade dos dons. Diferente do amor, os dons não são eternos. Eles são como hóspedes que permanecem temporariamente no edifício chamado Igreja de Cristo, enquanto o amor faz parte do próprio alicerce deste edifício. Os dons são “em parte” (v. 9b) e serão aniquilados “quando vier o perfeito” (v. 10).
i. O que é “o perfeito” do v. 10?[55]
O que seria esse “perfeito”? “O perfeito” é a eternidade, a parousia, o retorno de Cristo, nosso salvador! Refere-se ao tempo em que o propósito final de Deus de salvação através de Cristo será consumado. Então os dons do Espírito que foram presentes nessa era e são apenas “em parte”, serão eliminados porque “o perfeito” terá chegado.
Assim, “o perfeito” tem o sentido de “ter atingido a finalidade ou propósito“ ou de ser “completo”.[56] Os dons deixarão de ser necessários e serão substituídos por um perfeito estado de conhecimento.[57] Significa a totalidade da verdade sobre Deus.[58]
Com esse conceito em mente podemos entender quando Paulo diz:
ii. Mas, havendo profecias, desaparecerão;[59]
Literalmente, cessar, pôr um fim, pôr de lado, anular, abolir, com a vinda do reino eterno de Cristo. Como podem os pregadores e profetas ter alguma coisa a dizer quando o último julgamento não só revela, mas avalia e pronuncia juízo sobre tudo? Os sermões dos profetas e o “conhecimento” dos teólogos tornam-se redundantes, enquanto o caráter e o fruto do amor não se desfazem. Profetizar seria como ligar uma tocha sob a luz do sol do meio-dia.
iii. Havendo línguas, cessarão;[60]
As línguas, da mesma maneira, se evaporarão tão facilmente quanto as lágrimas quando a ressurreição do corpo permitir que o crente se encontre cara a cara com Deus sem as limitações e os conflitos do modo de vida presente nesta terra. Sua causa terá desaparecido.
iv. Havendo ciência, passará;[61]
A ciência (γνῶσις), é uma referência ao dom do conhecimento, mencionado no capítulo anterior (12.8). “Ele se refere à capacidade do cristão de discernir, compreender e explicar a revelação de Deus.”[62]
Na teologia de Paulo, as profecias, as línguas e o conhecimento são, na melhor das hipóteses, revelações parciais do Deus que é amor (1 Jo 4.8,16). Como tal, elas tiveram o seu lugar, e não foi nenhum lugar sem importância, sim limitado e temporário. Paulo explica para os coríntios que os dons que eles tanto valorizavam, buscavam e era motivo de desunião entre eles, não passavam de “imperfeito”. Esse dons faziam parte de uma realidade temporária, e que o fim deles já estava marcado: quando aquele que é perfeito voltar!
b. A perenidade do amor ilustrada (v. 11-12)
Imagine o impacto dessa carta à igreja de corinto, que estava sendo duramente criticada? Eles provavelmente estavam impactados. Mas Paulo ainda não tinha acabado. Ele aprofunda ainda mais a ideia da perenidade do amor com duas ilustrações que ensinam que nosso conhecimento de Deus atual, comparado ao nosso conhecimento futuro, é bastante limitado.
Isso, mais uma vez, critica os dons carismáticos presentes na igreja de corinto, já que eles em algum nível traziam o conhecimento de Deus.
i. Um menino (v. 11)
Primeiro, ele reflete sobre sua vida como um menino (νήπιος) que se torna um adulto (ἀνήρ). Ele “falou”, “pensou” e “raciocinou” como uma criança, mas agora ele faz isso como um homem.
Semelhantemente, no presente nós recebemos a revelação de Deus, que é suficiente para nossa salvação. Mas percebemos que nosso conhecimento permanece parcial, até que vejamos Cristo face a face.
ii. Um espelho (v. 12)
Em segundo lugar, ele contrasta a visão muito limitada de um espelho daqueles tempos, que era feito de metal polido, com a visão “face a face”. Um é indistinto e aproximado, o outro é cristalino, um encontro direto. Na presença de Deus, conheceremos plenamente sua revelação.
Paulo transmite a comparação de que com nossa mente humana somos incapazes de captar hoje todo o sentido da verdade de Deus. Mas no futuro, em sua presença Deus nos concederá o dom do perfeito conhecimento para entender sua revelação.
c. A perenidade do amor destacada (v. 13)
Paulo conclui sua exposição declarando que o amor é maior que a fé e a esperança. Ele começa o v. 13 dizendo “agora”[63], literalmente, “neste exato momento”. Ele está se referindo a esta era antes da vinda do perfeito onde ainda permanece a fé a esperança e o amor.
Paulo passou grande parte de seu ministério enfatizando a importância da fé e da esperança. Ele apresentou a fé principalmente como o meio pelo qual os crentes são unidos a Cristo e, assim, recebem as bênçãos da salvação (Gl 2.20, Fl 3.9). Esperança, por sua vez, Paulo descreveu principalmente em termos das glórias da salvação que os crentes recebem no céu, incluindo coisas como a ressurreição corporal. Para Paulo, a fé e a esperança representavam os meios de obter as bênçãos do evangelho (fé) e as bênçãos supremas (esperança). Neste contexto, ele colocou ainda mais valor no amor.
O amor é maior por pelo menos três motivos: (1) O amor é maior porque é o fim, enquanto a fé e a esperança são os meios para ele. (2) O amor é maior porque é básico para a relação entre Deus, Seu Filho e Seu povo. É o fundamento sobre o qual se estabelece a relação entre Deus e o homem. E, por fim, (3) porque o amor é eterno enquanto a fé e a esperança são temporárias.[64]
O “amor” é diferente da “fé” e da “esperança”, porque o “amor” continuará com a vinda do “perfeito”, a era vindoura, quando veremos Cristo, não num espelho vagamente, mas cara a cara. Então “fé” e “esperança” não serão mais úteis. Mas o “amor” permanecerá “para sempre”![65]
d. Conclusão
Esse trecho da carta de 1 Co, historicamente, tem sofrido com más interpretações e conclusões precipitadas, desconsiderando seu contexto. Sempre há a tentativa de obscurecer a principal preocupação de Paulo ao impor questões que o apóstolo não imaginava. Por exemplo, Calvino em seu comentário, combate escritores da tradição ocidental medieval que tentavam apelar a este texto para legitimar a noção de que os santos falecidos intercedem pelos vivos. Eles argumentavam que “se o amor é permanente e escatológico, a preocupação daqueles que morreram por aqueles permanecem ativos não desapareceria”.[66]
Semelhantemente, a afirmação de que as “línguas cessaram” neste texto também sofreu com os exageros de alguns debatedores. Como Carson observa, “muita discussão sobre esta questão nos afasta do ponto principal de Paulo.”[67] Thiselton assevera que “essa questão deve ser determinada por outros motivos que não sejam as discussões exegéticas desse versículo.”[68]
O ponto importante a destacar aqui é que poucos ou nenhum dos argumentos sérios cessacionistas dependem de uma exegese específica de 1 Cor 13.8-13. Charles Hodge, por exemplo, inclina-se para as visões cessacionistas em sua Teologia Sistemática.[69] Mas quando expressa alguma incerteza sobre o dom de línguas em seu comentário de 1 Co 12, Hodge não faz nenhum jogo de 13.8-13 para sustentar a visão de “dons” ou “milagres” que ele detém em outros fundamentos.[70] O mesmo vale para Calvino, que não faz uso de 13.8-13 para sustentar sua visão.[71] Estes versículos não devem ser usados como apoio a nenhum lado do debate. O que Paulo declara explicitamente aqui é que, assim como a pregação profética e o “conhecimento”, o dom de línguas se tornará obsoleto no último dia.
O que os coríntios, assim como nós, precisavam entender é que “não é nos dons que a igreja está arraigada e alicerçada, mas sim no amor. Os dons não constituem o elemento vital do Corpo de Cristo, ou o poder que cria a união dentro dele, mas sim ao amor.”[72]
e. Aplicação[73]
- O ensino de Paulo sobre o amor nos adverte a ter um maior zelo com a liturgia de nossas igrejas. Liturgia é também culto.
- Os cristãos, a luz dessa exposição, devem entender que a verdadeira espiritualidade passa pelo amor e sem ele nada vale a pena e nada somos.
- De igual modo, não devemos escravizar o povo de Deus uniformizando certas práticas litúrgicas, sacramentalizando-as como se fossem mais santas que outras, como por exemplo: levantar mãos, dançar, bater palmas e cair no Espírito. Elas não denotam qualquer espiritualidade especial.
- A suposta animação dos chamados “líderes de louvor” de nossas igrejas podem constranger os membros a dar as mãos, bater palmas, cumprimentar sorrindo a pessoa de lado e outras manifestações corporativas forçadas, como se essas coisas emprestassem mais espiritualidade ou “liberdade” no Espírito ao culto.
- Esse tipo de estratégia deveria ser refreada pelos pastores, pois não há base bíblica, muito menos nada relacionado com o amor.
- Devemos impor critérios firmes aos que vão participar do culto. Paulo nos ensina que mais importante que talento musical, capacidade de liderança e comunicação, é uma vida em amor.
- Sem amor, a participação de qualquer pessoa no culto público nada vale.
- É preciso que uma vida santa e reta seja o critério maior.
CONCLUSÃO DA PASSAGEM
No começo dessa exposição convidei vocês a imaginarem uma situação na qual precisamos viajar para um lugar que nunca fomos antes, nem sabemos como chegar. Quando isso acontece, nos esforçamos para encontrar o melhor caminho nos nutrindo de informações e princípios adequados. É precisamente isso que Paulo faz aqui com a igreja de Corinto. Ele lhes apresenta o caminho sobremodo excelente, a excelente solução para a divisão chamada amor, o fruto do Espírito. As coordenadas desse caminho que o apóstolo apresenta passa pelas avenidas da Supremacia do amor, a ontologia do amor e a perenidade do amor.
Entender esse caminho era essencial para a igreja de corinto e é importante para as nossas igrejas contemporâneas.
NOTAS
[1] A delimitação desta perícope é disputada. O cerne da discussão está na definição do lugar 1 Co 12.31b: “E eu passo a mostrar-vos ainda um caminho sobremodo excelente”. Existem basicamente duas abordagens: Na primeira, 1 Co 12.31b pode ser lido como a conclusão da passagem precedente. Thiselton (2000, p. 1024–1025), por exemplo, afirma que este trecho se encaixa naturalmente com o argumento de Paulo em 1 Co 12.12-30. Ele prefere considerar 1 Co 12.31b como um “verso de transição” no argumento da carta, e, juntá-lo com 1 Co 13 “privaria o verso de sua força retórica e lógica”. Kistemaker (2014, p. 548) sugere que 1 Co 12.31b forma uma “ponte “entre os capítulos 12 e 13”. Fee (1987, p. 623–625) também lê 1 Co 12.31b como a conclusão do argumento de Paulo em 1 Co 12.
Na segunda abordagem, “um pouco mais popular entre os intérpretes” segundo Brown (2013, Logos Bible Software), 1 Co 12.31b é entendido como o início da discussão sobre amor e dons, que vai até o final do cap. 13. Verbrugge (2008, p. 371), por exemplo, argumenta que em 1 Co 12.31b Paulo estabelece o amor, tema principal de 1 Co 13, como “o caminho mais excelente”. Hays (1997, p. 221–222) sugere que 1 Co 12.31b funciona como uma frase introdutória que, de acordo com antigas práticas retóricas, anuncia o início de uma seção epidética, ou seja, que visa gerar “efeitos” nos ouvintes através de argumentos persuasivos ou impactantes (cf. também witherington III, 1995, p. 264–265 e Grosheide, 1953).
Assumo a segunda abordagem por, além das razões já expostas, dois motivos: (1) Por causa da mudança da pessoa do discurso. Paulo, desde 12.13 até 31a argumenta no plural, ora incluindo-se ora apenas mencionando seus leitores. Usa ἡμεῖς no v. 13, depois usa algumas ilustrações do seu ensino quanto a diversidade, mas quando aplica o ensino ao público, volta a usar o plural (ἡμῶν, no v. 23, 24). No v. 27, Paulo começa a fazer a aplicação do conceito de unidade usando Ὑμεῖς e, interessantemente, a partir daí usa todos os verbos e substantivos no plural, exceto os que estão relacionados a θεὸς (v. 28), por motivos óbvios. No v. 31b ele passa a falar na primeira pessoa do singular indo até 13.3. (2) Pelo ladeamento que o imperativo ζηλοῦτε (traduzido como “procurai com zelo”, ARA) forma em torno de 12.31b-13.13, funcionando como enunciados e, consequentemente, delimitando o assunto do que está entre eles. (Para uma exposição mais ampla sobre esse último tópico, cf. “Interpretações que tomam ζηλοῦτε como um indicativo ou imperativo” em CARSON, D. A. Showing the Spirit: a theological exposition of 1 Corinthians 12-14. Grand Rapids, Mich.: Logos Bible Software, Baker Book House, 1987, p. 52–57; e principalmente o artigo de J. F. M. Smit, “Two Puzzles: 1 Cor 12:31 and 13:3: Rhetorical Solution” em New Testament Studies 39, 1993, p. 246-264.)
[2] Ilustração adaptada de PRATT JR., R. L. I & II Corinthians. Nashville, TN: Broadman & Holman Publishers, 2000, p. 227.
[3] CARSON, D. A.; MOO, D. J.; MORRIS, L. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo, SP: Vida Nova, 1997, p. 292.
[4] É o que sugere BAKER, W. R.; MARTIN, R. P.; TONEYT, C. N. 1 & 2 Corinthians. Carol Stream, IL: Tyndale House Publishers, 2009, p. 10..
[5] Alguns estudiosos consideram essa observação do historiador Estrabão exagerada, embora reconheçam que “tradições do gênero custam a desaparecer.” (CARSON; MOO; MORRIS, 1997, p. 292).
[6] A expressão ἐν τῇ ἐπιστολῇ pode ser traduzido como “na carta”. O uso do artigo definido e a falta de maiores explicações provavelmente indicam que os coríntios sabiam a que carta Paulo se referia.
[7] Cf. GARDINER, J. E. A Catástrofe Corintiana. São Paulo: Imprensa Batista Regular, 1976. In LOPES, A. N. O Culto Espiritual. 2. ed. São Paulo, SP: Cultura Cristã, 2012, p. 21.
[8] É unânime entre a maioria dos estudiosos que Paulo, do cap. 11-14 de 1 Coríntios, está dando orientações e princípios ao culto público. Contudo, cada um tem um modo de sistematizar esses princípios doutrinários. O sistema utilizado neste trabalho, foi retirado de LOPES, A. N. O Culto Espiritual. 2. ed. São Paulo, SP: Cultura Cristã, 2012, p. 41.
[9] LOPES, 2012, p. 42.
[10] Charles Hodge, sobre o valor de 1 Co 13, afirma que o capítulo “tem sido sempre considerado como uma das joias da Escritura. Para a elevação moral, para a riqueza e abrangência, para a beleza e felicidade de expressão, tem tido a admiração da igreja em todas as épocas.” (HODGE, C. 1 Corinthians. Wheaton, Il: Crossway Books, 1995.)
[11] Alguns comentários, como BRUCE, F. F. 1 and 2 Corinthians. Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1972., defendem que 1Co 13 é uma oportuna e adequada inserção de Paulo à carta, e que muito provavelmente não é de sua autoria, embora isso não diminua a importância da passagem para o contexto e o debate acerca do uso dos dons espirituais no culto público. Thiselton não duvida de que “Paulo realmente seja o autor deste capítulo, embora reconheça que muitos argumentam em contrário, em parte porque parece constituir um estilo literário e não epistolar, e que supostamente interrompe o fluxo de caps. 12-14 sobre os dons dentro da igreja. Paulo “varia seu estilo constantemente; doutrinário, catequético, moral, sapiencial e até mesmo jurídico. […] O Capítulo 13 é um elo necessário no argumento colocando os dons carismáticos em seu devido lugar”. (THISELTON, A. C. The First Epistle to the Corinthians. Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 2000, p. 1027., grifo meu.)
[12] PRATT JR., 2000, p. 227.
[13] Essa divisão é natural dentro da perícope por dois motivos: (1) Pela mudança de pessoa no fluxo retórico de Paulo, que está na primeira pessoa no singular (cf. nota 1); (2) Pelo uso da estrutura condicional hiperbólica (cf. nota 12), não presente a partir do v. 4.
[14] No grego está presente uma estrutura condicional formada por ἐάν + subjuntivo. Daniel Wallace nomeia esse arranjo de “condicional de terceira classe” e identifica o padrão argumentativo de Paulo “do real para o hipotético” do v. 1-3. (WALLACE, D. B. Gramática Grega: Uma Sintaxe Exegética do Novo Testamento. São Paulo, SP: Batista Regular, 2009, p. 471, 663.) “As fórmulas κἂν e καὶ ἐὰν (v. 3) são meras variações” (KISTEMAKER, S. 1 Coríntios. 2. ed. São Paulo, SP: Cultura Cristã, 2014, p. 563.), mas com o mesmo significado.
[15] WALLACE, 2009, p. 471. Segundo Pratt, “a construção gramatical da linguagem original não indica que Paulo estava afirmando ter feito isso. Ele falou inteiramente hipoteticamente, sem se referir se ele havia feito alguma dessas coisas. Obviamente ele não havia entregue seu “corpo às chamas” (13.3) como ele disse mais tarde. Além disso, nem ele, nem ninguém, a não ser o Deus onisciente, teve, ou poderia “conhecer todos os mistérios e toda a ciência” (13.2). Por outro lado, ele tinha o “dom da profecia” (13.2), e “falava em línguas” (14.18). Gramaticalmente, nenhuma evidência existe de que Paulo acreditou que era possível falar nas línguas dos anjos. Em nenhum outro lugar a Bíblia fornece evidência de tal possibilidade.” (PRATT JR., 2000, p. 228)
[16] Para o dom de línguas Paulo usa γέγονα no modo perfeito, sendo mais enfático que εἰμι no pres. do ind. ativo, usado no dom de profecia. Contudo, ambos sustentam a mesma ideia, embora em intensidades diferentes.
[17] CARSON, 1987, p. 61
[18] Segundo Paul Barnett, “tal ‘fé’ é, de fato, um dom que nem todos os crentes desfrutam. Mas é dado aos indivíduos para fortalecer a confiança dos outros nos propósitos de Deus, especialmente em tempos de teste. Os primeiros cristãos perseguidos não eram estranhos a julgamentos sérios. O dom da fé, para edificação do próximo, era uma poderosa fonte de perseverança e conforto.” (BARNETT, P. 1 Corinthians: Holiness and Hope of a Rescued People. Ross-shire, SCT: Christian Focus Publications, 2000, p. 243.)
[19] O verbo μεθιστάναι, no infinitivo, seria chamado de um “implicacional”, no qual o resultado não é cronologicamente subsequente ao fato de Paulo ter toda a fé, mas é uma implicação derivada dela. (WALLACE, 2009, p. 594)
[20] Isso pode aludir às palavras de Jesus ao jovem rico (Mc 10.21), ou pode se referir à prática da igreja primitiva de vender suas posses para alimentar a igreja (At 2.44-45).
[21] Há uma complicação manuscritológica neste trecho. A NA28 apresenta καυχήσωμαι “eu posso gabar”, ao invés de καυθήσωμαι “Eu posso ser queimado” ou καυθήσομαι “Eu vou ser queimado”, como alguns outros manuscritos trazem. O The Greek New Testament (Edited by B. Aland, K Aland, J. Karavidopoulos, C. Martini, and B. Metzger. 4th ed. London, New York: United Bible Societies, 1993.) classifica a leitura καυχήσωμαι com uma classificação C, indicando dificuldade em decidir qual variante colocar no texto. A leitura com καυχήσωμαι “eu posso me gabar” é apoiada por Thiselton (2000) e Fee (1987). Já “a leitura com καυθήσωμαι ou καυθήσομαι, é escolhida pela maioria dos comentaristas” (TRAIL, 2008, p. 173), como por exemplo, Conzelmann (1975), Barrett (1968), Hodge (1995) e Kistemaker (2014). As implicações de usar a segunda opção estão de maior acordo com o contexto do versículo e o fluxo argumentativo da carta, apoiando a ideia construída por Paulo do v.1-3: a supremacia do amor.
[22] Judas estava entre os doze discípulos que foram enviados por Jesus e que realizaram curas e expulsões, ver Mt 10.1-4; Mc 6.7; Lc 9.1. (LOPES, 2012, p. 108.)
[23] Essa divisão é apoiada por uma característica gramatical que passa despercebida na tradução Almeida Revista e Atualizada, assim como na maioria das traduções da língua portuguesa (NVT, Sec. XXI, RC, NVI, Jerusalém e NTLH). Todas essas traduções trazem o grego como se ele usasse adjetivos para descrever a natureza do amor “atemporal”. Mas “a natureza do amor é expressa por Paulo em uma série de verbos, cujo caráter ativo não pode ser totalmente indicado por adjetivos.” (THISELTON, 2000, p. 1046) São o total de 15 verbos que descrevem o amor nesses versículos.
[24] ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. 5. ed. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2007, p. 662.
[25] BARNETT, 2000, p. 246.
[26] CARSON, 1987, p. 63.
[27] Ibidem, p. 52.
[28] Thiselton argumenta que havia três termos para o amor no grego do período pré-bíblico. (1) Eros, refere-se ao amor apaixonado, e (2) philia descreve o amor entre amigos. (3) Ágape, é tipificado pelo cuidado altruísta, que não pede nada em troca; é preocupação ou estima por outra pessoa. (THISELTON, 2000, p. 1033–1034.) E, segundo Hodge, o substantivo ágape, embora fosse raro na literatura grega não-cristã, ocorre cerca de 116 vezes no Novo Testamento. (HODGE, 1995) Barnett complementa isso dizendo que os escritores do Novo Testamento começaram a usar a palavra ágape para descrever o tipo novo e radical de “amor” manifestado em Jesus. (BARNETT, 2000, p. 245.)
[29] BARNETT, 2000, p. 245.
[30] BARRETT, C. K. The First Epistle to the Corinthians. Londres: Hendrickson Publishers, 1968, p. 303.
[31] As três subdivisões na sequência dessa seção foram adaptadas de TURNER, D. D. Primeira Epístola aos Coríntios. São Paulo, SP: Batista Regular, 2012., embora vários outros autores apresentem estruturas semelhantes.
[32] História retirada de MACARTHUR, J. F. 1 Corinthians. Chicago, Il: Moody Press, 1984.
[33] BARNETT, 2000, p. 246.
[34] LOPES, 2012, p. 114.
[35] A exceção é Cl 2.18, onde o problema era, também, a soberba de alguns que se consideravam “sábios” por terem tido visões de anjos.
[36] LOPES, 2012, p. 114.
[37] CARSON, 1987, p. 64.
[38] BARRETT, 1968, p. 303.
[39] A palavra παροξύνω usada aqui, também é usada em At 17.16, para designar a “revolta” de Paulo por causa da idolatria (ARNDT, W.; DANKER, F. W.; BAUER, W. A Greek-English lexicon of the New Testament and other early Christian literature. 3. ed. Chicago, Il: University of Chicago Press, 2000, p. 780) Logo, ela não possui significado semântico negativo em si mesma. O contexto definirá se a “revolta” é justa ou não.
[40] LOPES, 2012, p. 117.
[41] LEEMAN, J. A Igreja e a Surpreendente Ofensa do Amor de Deus. São José dos Campos, SP: Fiel, 2013, p. 10.
[42] Idem.
[43] A palavra grega aqui é πάντα, e ocorre em sucessão com quatro verbos diferentes. Pode ser traduzido como “todas as coisas”, mas também pode servir adverbialmente e significar “sempre”. (Robertson, A. T. A Grammar of the Greek New Testament in the Light of Historical Research. Logos Bible Software, 2006.)
[44] ARNDT; DANKER; BAUER, 2000, p. 942.
[45] Essa é a interpretação de CARSON, 1987, p. 65; LOPES, 2012, p. 119.
[46] “Seria contrário ao contexto entender a fé e a esperança aqui referidas como referentes às verdades e promessas do Evangelho.”(HODGE, 1995)
[47] Ibidem.
[48] CARSON, 1987, p. 65.
[49] BARNETT, 2000, p. 248.
[50] NARANJO, J. Casa das Estrelas. Edição Kin ed. [s.l.] Foz, 2013, p. pos. 91-100.
[51] BARNETT, 2000, p. 245.
[52] LOPES, 2012, p. 112.
[53] Πίπτω traduzido como “acaba”, tem o sentido primário de “cair” com os significados ampliados de “falhar” ou “tornar-se inadequado” como aqui (LOUW, Johannes P.; NIDA, Eugene Albert. Greek-English lexicon of the New Testament: based on semantic domains. New York, NY: United Bible Societies, 1996, p. 660). Pode indicar um sentido ativo de “ser derrotado” ou um sentido mais passivo de “chegar a um fim”. “Pode ser que Paulo pretendesse ambos os sentidos.” (FEE, 1987) Indica “tornar-se obsoleto” ou “tornar-se inválido” aqui.
[54] PRIOR, David. A Mensagem de 1 Coríntios. 2. ed. São Paulo, SP: ABU, 2001, p. 249 (A Bíblia Fala Hoje).
[55] Há três respostas mais aceitas. (1) O τέλειον seria o encerramento do Cânon; (2) O τέλειον seria a igreja amadurecida em amor; ou (3) seria a vinda de Cristo. A última resposta foi a escolhida por encontrar mais apoio contextual, exegético e histórico. “Essa interpretação se encaixa no tom escatológico da passagem e explica melhor o tipo de conhecimento mencionado no v. 12. Também explica a mudança abrupta e repentina de épocas indicada pela expressão quando vier. Isso se encaixa bem na parousia.” (LOPES, 2012, p. 129)
[56] FEE, 1987.
[57] KISTEMAKER, 2014, p. 644.
[58] BARRETT, 1968, p. 305.
[59] O composto intensivo κατά com ἀργός é muito forte, e aqui o futuro passivo não sugere simplesmente que as profecias se dissolvem por si mesmas conforme elas são cumpridas, mas que a ação cósmica, escatológica as leva a um fim. (THISELTON, 2000, p. 1061.) “Ocorrerá [o passamento] por uma ação externa, de fora para dentro. Algo vai causar que passem e esse algo é a vinda de Cristo.” (LOPES, 2012, p. 123,124.)
[60] Aqui encontramos o futuro médio παύσονται, para cessar, para parar. Se a voz do verbo aqui for importante, então Paulo está dizendo que línguas cessarão por si (média direta) ou, mais provável, cessarão por seu próprio uso, i.e., “morrer” sem um agente interveniente (média indireta). Pode ser significante que com referência à profecia e ao conhecimento, Paulo usou um verbo diferente (καταργέω, cf. nota 59) e o coloca na voz passiva. No v. 9–10, o argumento continua: “porque em parte conhecemos e em parte profetizamos; quando porém vier o que é perfeito, o que era em parte será aniquilado [καταργηθήσονται].” Aqui novamente, Paulo usa o mesmo verbo passivo que usou com “profecia” e “conhecimento”. Todavia, ele não fala que línguas cessarão: “quando vier o que é perfeito”. A implicação pode ser que as línguas iriam “cessar” por si mesmas antes da vinda do perfeito. A voz média nesse texto, então, precisa ser encarada caso se deseje chegar a quaisquer conclusões sobre o cessar das línguas.
Contudo, Daniel Wallace argumenta que “a opinião dominante entre os eruditos do NT hoje, porém, é que παύσονται não é uma média indireta.” O argumento é: παύω no futuro é depoente e a mudança entre os verbos é meramente estilística. Se for assim, então esse texto não faz comentário sobre as línguas cessando por si, à parte da intervenção do “perfeito”. Há três argumentos contra a visão depoente. (1) Se παύσονται for depoente, então seria a segunda das partes principais (forma futura) não ocorreria na voz ativa no grego helenístico. Mas ele ocorre, e ocorre com frequência. Consequentemente, o verbo não pode ser considerado depoente. (2) Às vezes, Lc 8.24 é discutido: Jesus repreendeu os ventos e o mar e cessaram (ἐπαύσαντο, aoristo médio) de sua turbulência. O argumento é que objetos inanimados não podem cessar por si; portanto, a média de παύω é equivalente a uma passiva. Mas isso é um entendimento errado das características literárias da passagem: Se o vento e o mar não podem cessar voluntariamente, por que Jesus os repreende? E por que os discípulos falam do vento e mar como tendo obedecido a Jesus? Os elementos são personificados em Lc 8 e o cessar da turbulência é, portanto, apresentado como obediência volitiva a Jesus. Se há qualquer volição, Lc 8:24 sustenta a visão média indireta. (3) A ideia de um verbo depoente é assim descrita: um verbo tem forma média, mas significado ativo. Mas παύσονται é cercado por passivas em 1 Co 13.8, e não ativas. A força real de παύω na média é intransitiva, enquanto na ativa é transitiva. Na ativa tem a força de parar algum outro objeto; na média, ele cessa a partir de sua própria atividade. (2009, p. 422)
Wallace então conclui: “Em suma, a visão depoente é baseada nas seguintes falhas pressuposições: (a) o classificar παύσονται como depoente; (b) o paralelo com Lc 8.24, e (c) o significado dado a depoência. Paulo escreve algo mais que estilístico na mudança dos verbos. Mas isso não quer dizer que a voz média em 1 Co 13.8 prova que as línguas já cessaram! Esse verso não diz especificamente quando as línguas cessariam, embora ele dê um terminus ad quem: quando o perfeito vier.” (2009, p. 423.)
Em consonância com a tese de Wallace está Carson (2013, p. 68–74, até este momento do trabalho, havia usado a obra em inglês, contudo, percebi que já havia tradução e por isso daqui pra frente ela será adotada), Lopes (2012, p. 124–132), Thiselton (2000, p. 1060–1069), entre outros. Isso não significa que estes autores sejam a favor do movimento pentecostal, nem que reconheçam como sendo bíblico o dom de línguas contemporâneo. Na verdade, a conclusão é mais simples: não há apoio exegético neste texto (1 Co 13) à cessação do dom de línguas. Isso pode ser concluído de outras maneiras, na exegese de outros textos e até mesmo teologicamente. Quanto a esta argumentação e conclusão, estou de acordo.
[61] O verbo “passará” aqui é o mesmo traduzido como “desaparecerão” e possui as mesmas implicações. (cf. nota 59)
[62] KISTEMAKER, 2014, p. 644.
[63] Νυνὶ δέ é um marcador de um enunciado ou sumário. (LOUW; NIDA, 1996, p. 810)
[64] TRAIL, 2008, p. 190.
[65] BARNETT, 2000, p. 252.
[66] CALVIN, John. Commentaries on the Epistles of Paul the Apostle to the Corinthians. Bellingham, WA: Logos Bible Software, 2009, p. 425.
[67] CARSON, 2013, p. 66.
[68] THISELTON, 2000, p. 1063.
[69] HODGE, Systematic Theology, 1:635–36.
[70] HODGE, 1995, p. 247–52, 271–73.
[71] CALVIN, 2009, p. 280–281.
[72] RIDDERBOS, Herman. A Teologia do Apóstolo Paulo. São Paulo, SP: Cultura Cristã, 2004, p. 328. Ridderbos entende o amor como uma característica dada por Deus através do seu Espírito Santo ao regenerado. Na obra citada nesta nota, na parte VII intitulado “A Nova Obediência” (p. 287-370), ele dedica um capítulo (p. 325-333) para desenvolver as implicações à santificação desse amor: “Uma vez que é pelo amor divino que Deus santificou e tomou a Igreja para si em Cristo, assim, o amor é a santificação com a qual a Igreja deve dedicar-se a Deus, seu serviço espiritual.” (p. 325)
[73] Aplicação retirada e adaptada de LOPES, 2012, p. 133.
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