Diferente do que alguns pensam, cedo ou tarde, as tempestades podem nos surpreender enquanto navegamos no mar da vida. Os ventos podem chicotear nossas velas, as ondas bater no casco do barco e perdermos o controle da direção.
Nascemos em meio a dores (Gn 3) e vivemos em meio a elas também. O sofrimento é algo comum na experiência de qualquer pessoa: ricos ou pobres, novos ou velhos, ímpios ou crentes. Sobre o sofrimento do crente, disse Charles Spurgeon: “A estrada da aflição tem sido bastante pisoteada; ela é a trilha regular das ovelhas para o Céu, e todo o rebanho de Deus tem tido de passar por ela.”[1]
Essa realidade também se aplica ao rei Davi. Um dos maiores reis da história do povo de Israel, capaz de sobrepujar gigantes, mas que sucumbiu diante da tentação. Venceu batalhas e guerras, mas fracassou em vários momentos. Levantou-se diante dos homens, mas também se ajoelhou diante de Deus. Desfrutou o sucesso e a glória, mas experimentou o sofrimento, agonia e tristeza da tribulação.
O Salmo 6, obra de sua autoria [o rei Davi], é uma boa demonstração do coração deste homem enquanto passava por momentos de angústia. É chamado de Salmo de Lamento. Os lamentos são os salmos compostos nos momentos da noite escura da alma. É um cântico sincero de alguém abatido, quer seja pelo pecado, ou pelas vias difíceis que percorremos ao viver num mundo caído. Os salmos de lamento nos dão permissão para deixarmos as lágrimas fluírem com franqueza – eles nos ensinam a sofrer, moldando nossa dor. Deus, pela sua graça, inspirou esses salmos para que nós hoje pudéssemos saber como reagir diante do sofrimento que, como dito, certamente virá, cedo ou tarde.
No Salmo 6, especificamente falando, temos a oração e declaração de um crente enfermo. Que tem o propósito de motivar o crente a orar sinceramente a Deus, suplicando socorro, lamentando sem murmurar, deixando a Bíblia moldar sua dor.
Salmo 6
Ao mestre de canto, com instrumentos de oito cordas.
Salmo de Davi
1 SENHOR, não me repreendas na tua ira,
nem me castigues no teu furor.
2 Tem compaixão de mim, SENHOR,
porque eu me sinto debilitado;
sara-me, SENHOR,
porque os meus ossos estão abalados.
3 Também a minha alma está profundamente perturbada;
mas tu, SENHOR, até quando?
4 Volta-te, SENHOR,
e livra a minha alma;
salva-me por tua graça.
5 Pois, na morte, não há recordação de ti;
no sepulcro, quem te dará louvor?
6 Estou cansado de tanto gemer;
todas as noites faço nadar o meu leito,
de minhas lágrimas o alago.
7 Meus olhos, de mágoa, se acham amortecidos,
envelhecem por causa de todos os meus adversários.
8 Apartai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade,
porque o SENHOR ouviu a voz do meu lamento;
9 o SENHOR ouviu a minha súplica;
o SENHOR acolhe a minha oração.
10 Envergonhem-se
e sejam sobremodo perturbados
todos os meus inimigos;
retirem-se, de súbito, cobertos de vexame.
1. Lamento e súplica em oração (V. 1-7)
A primeira coisa que temos nesse salmo, do v. 1-7, é um Lamento e Súplica em Oração. Para um crente que experimenta o sofrimento, nada é melhor do que clamar ao SENHOR. Aliás, isso é bem claro no texto. O salmista chama o seu Deus 8 vezes. Mas esse Deus não é um deus qualquer. É o Grande YHWH, o EU SOU, o Deus pessoal que fez aliança com seu povo e se relaciona intimamente com ele.
Ninguém melhor do que o SENHOR para ouvir nosso Lamento e Súplica em Oração – e Davi sabia disso. Por isso ele lamenta e suplica por compaixão.
a. Lamento e súplica por compaixão (v. 1-3)
Davi expressa seu lamento e suplica por compaixão de duas maneiras. No v. 1 ele suplica que Deus não faça algo; já no v. 2,3, ele suplica que o SENHOR faça algo. Ele vai da súplica positiva para a súplica negativa.
No v. 1 Davi pede[2] a Deus que não o castigue severamente. Ele diz: “SENHOR, não me repreendas na tua ira, nem me castigues no teu furor.”
Por que o salmista está pedindo misericórdia? Ele está sofrendo, está sendo castigado, mas não está se desculpando ou justificando. Se ele está pedindo misericórdia é porque está sendo castigado merecidamente. Qual é o pecado de Davi? Não é dito. O mais importante aqui é que ele sabia que Deus disciplina e que, se o Senhor não refrear a sua fúria, todos os homens estão perdidos.
E mais, Deus faz isso por seu amor. Porque “6 porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe. 7 É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige?” (Hb 12.6,7). E que maravilha podermos ser corrigidos por um Deus misericordioso. A falta de correção é expressão de juízo (Hb12.8; Rm 1). Mas aqui Davi admite implicitamente a sua culpa, pedindo a Deus para que não o discipline em sua ira e que sua disciplina não exceda a medida da correção amorosa.
Se no v. 1 Davi suplica que Deus não o castigue severamente, nos v. 2 e 3 temos súplicas[3]combinadas com lamentos por cura. Ele diz: “Tem compaixão de mim, SENHOR!”, “Sara-me, SENHOR!”. E apresenta seus lamentos como motivação para a ação divina: “porque eu me sinto debilitado; porque os meus ossos estão abalados. Também a minha alma está profundamente perturbada.” Davi tornou-se fraco, e fraco como resultado do curso de sua doença (embora a linguagem poética do salmo não permita a identificação da doença). Tanto a pessoa interna como a externa foram afetadas. Isso é enfatizado pelo uso da mesma palavra (verbo) hebraica para descrever a dor do corpo, “ossos abalados”, e da alma “perturbada”.
Davi usa o “não” e o “sim” em seus lamentos e súplicas por misericórdia. Ele mostra a abrangência de sua dor – no corpo e na alma. E isso o leva a bradar em desespero: “mas tu, SENHOR, até quando?” Esperar é ruim em qualquer situação, mas quando se sofre é insuportável.
Mas Davi ainda não terminou sua oração. Dos lamentos e súplicas por compaixão, ele vai para os lamentos e súplicas por livramento.
b. Lamento e súplica por livramento (v. 4-5)
Nos v. 4 e 5 Davi, mais uma vez, apresenta suas súplicas e também seus lamentos como justificativa para a ação de Deus.
Ele diz: “4 Volta-te, SENHOR, e livra a minha alma; salva-me”! A ideia é que Deus deveria se “voltar”[4]misericordiosamente para livrar e salvar Davi. Moisés, no salmo 90, também faz o mesmo que Davi ao dizer: “Volta-te, Senhor! Até quando? Tem compaixão dos teus servos” (v.13). Mas qual é a base para o pedido do livramento do salmista? Está no final do v. 4: “por tua graça”. Enquanto o “lamento” de Davi é usando como argumento e motivo para Deus o livrar, a graça de Deus é a base e motivação para que Davi possa suplicar livramento. “Lembra-te de mim, segundo a tua misericórdia, por causa da tua bondade [graça], ó Senhor” (Sl 25.7), Davi também diz no Sl 25.
É importante dizer que esse pedido de salvação aqui tem caráter emergencial e temporal. Davi não está falando de vida eterna, mas sim, de socorro e livramento da morte que sua doença o levaria. Por isso, a seguir ele diz: “5 Pois, na morte, não há recordação de ti; no sepulcro, quem te dará louvor?” Ele estava convicto de que se Deus não intervisse ele morreria.
Assim como seu pedido de salvação é focado na realidade humana, seu lamento também. Quando ele diz “Pois, na morte, não há recordação de ti; no sepulcro, quem te dará louvor?”, não está levando em consideração as questões relacionadas à vida eterna. Digo isso porque há quem use esse versículo para defender a ideia de que a alma dorme depois da morte e não vai direto ao Paraíso. Mas usar esse versículo para sustentar essa ideia é inconsistente por 3 motivos:
- Como eu disse, o contexto e tom do salmo inteiro é de necessidades em vida e salvação em vida. Não há aplicação espiritual. A morte aqui tem seu sentido imediato: o fim da vida. Com o fim da vida de Davi, cessaria a sua lembrança e também seu louvor.
- A revelação de Deus é progressiva. Deus não explicou tudo sobre a vida eterna de uma vez. Foi revelando-se aos poucos no decorrer da história da salvação. Lembremos que, mesmo nos tempos do NT, ainda havia debate entre os saduceus e os fariseus quanto a realidade da ressurreição e da vida além do túmulo. Então, é possível que Davi não tivesse acesso a esse conhecimento.[5]
- A palavra hebraica para “sepultura”, Sheol, ocorre 66 vezes no AT, 58 vezes em poesia.[6] Ela é usada como linguagem imaginativa, uma metáfora vívida e forte, capaz de transformar uma cova de dois metros num lugar aterrorizante, diferente do mundo dos vivos. O uso dessa palavra em paralelo com a “morte” reforça o caráter poético e não literal.
Para entendermos o que está acontecendo aqui precisamos ler o Salmo na perspectiva das crenças de seu autor. Pense bem, numa época de pouco desenvolvimento tecnológico e médico, quando não havia muitos recursos farmacêuticos como hoje e com a doutrina da vida eterna ainda não completamente revelada. Essa era a condição de Davi. Ele fez exatamente o que poderia e deveria: lamentou e suplicou com senso de urgência o livramento ao grande EU SOU!
c. Lamento pela exaustão (v. 6-7)
Davi lamentou sua condição e suplicou compaixão e livramento em oração. Agora, nesta oração de um crente enfermo ele lamenta por causa da sua exaustão.
No v. 6 ele diz “já estar cansado de tanto gemer”[7]. Ele já alcançou seu limite. Ele chegou ao fundo do poço. O resultado disso é que todas as noites ele encharca sua cama com seu pranto. Suas lágrimas são tão abundantes que, para expressar isso, diz ser possível nadar nelas. Sua doença criou tanto esgotamento quanto insônia. O lugar que deveria servir de descanso, tornou-se expressão do seu lamento.
No v. 7 Davi lamenta-se novamente: “7 Meus olhos, de mágoa, [já] se acham amortecidos”, mostrando em linguagem poética a sua exaustão expressada no olhar. Mas, dessa vez, além do pecado (v. 1) e da doença (v.2-6), ele apresenta outro motivo da sua mágoa: “seus adversários”. Não sabemos a identidade desses adversários, mas uma das características do primeiro livro dos Salmos (Sl 1-41) é o confronto de Davi com inúmeros e variados inimigos enquanto procura estabelecer um reino de paz e justiça, símbolo da realeza messiânica.[8]
Especificamente neste salmo, é possível que estes adversários e inimigos dissessem que a doença de Davi estava relacionada com algum pecado cometido, assim como acusaram Jó (Jó 30.1-15). Então, Davi está sofrendo não apenas com a doença, mas também com as acusações e com a demora da resposta de Deus – porque para ele Deus já deveria ter resolvido isso.
Davi lamenta e suplica em oração, experimentando uma mistura amarga que só causa mais dor: (1) doença; (2) acusações; e (3) demora. Na doença, o corpo não funciona adequadamente; na morte, deixa de funcionar completamente. Assim, essa oração nascida no leito da enfermidade, embora contenha as palavras de vivos, é assombrada pela sombra da morte. Por isso Davi lamenta e suplica ao SENHOR, por sua graça.
Aplicação
- Até mesmo os grandes heróis da história do povo de Deus passam pelo sofrimento. Foram grandes homens, mas também expressaram sua pequenez diante de algumas situações. Resistiram aos problemas, mas também, por vezes, caíram. Expressaram bravura, mas também fraqueza. Homens extraordinários, contudo, ao mesmo tempo, pecadores comuns como eu e você.
Joel Beeke, declara: “Deus tinha apenas um Filho sem pecado, mas nenhum sem aflição.”[9]Até mesmo Cristo experimentou o sabor amargo da dor e conosco não será diferente. - A necessidade de aprender a sofrer, não calando a dor; Há um aspecto terapêutico no choro. Mas há também algo muito melhor: A bem-aventurança. “Bem-aventurados os que choram porque serão consolados” (Mt 5) Somos bem-aventurados se choramos diante do Senhor.
- Deixar nossa dor ser moldada pelos salmos de lamento; Nesse caso, durante a enfermidade, demora e acusações.
- É possível que aqui Davi esteja passando pelo que muitos crentes ainda passam hoje. Alguns cristãos são duramente criticados por estarem doentes por não confiarem em Deus. Alguns ainda alegam que a doença é falta de fé.
No Sl 6, entretanto, nós não temos apenas Lamento e Súplica em oração. Também temos a confiança e esperança em declaração.
2. Confiança e esperança em declaração (V. 8-10)
Davi lamenta e suplica várias vezes, a ponto de dizer para Deus que chegou no seu limite. Contudo, algo surpreendente acontece. Do abatimento e dor ele vai para confiança e esperança. A voz que usava para suplicar, agora ele usa para declarar vitória sobre seus inimigos.
a. Declaração de maldição (v. 8a, 10)
No começo do v. 8 e no v. 10 ele faz a declaração: “8 Apartai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade, 10 Envergonhem-se e sejam sobremodo perturbados todos os meus inimigos; retirem-se, de súbito, cobertos de vexame.”
Essas maldições, também chamadas de imprecações, que Davi faz contra seus inimigostas ao seu sofrimento. Percebam as relações:
- Davi começa sua oração invocando o SENHOR, o único Deus Vivo, e pedindo sua misericórdia (v.1); seus inimigos, contudo, praticam a idolatria. É isso que quer dizer a palavra Iniquidade (v. 8a).[10] O desejo de Davi, o ungido do Senhor, é ver longe aqueles que desagradam seu Deus.
Inclusive, Cristo cita esse versículo em Mt 7.22–23, aquando diz: “Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? 23 Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade.” Para Jesus, os idólatras, que não fazem a vontade de Deus, serão condenados. - Em vez de Davi ser “profundamente perturbado”, como vimos no v. 3, agora, seus inimigos que serão “sobremodo perturbados” (v.10).
- A mesma palavra hebraica que Davi usou para dizer “Volta-te, SENHOR!”, ele usa agora para declarar: “Retirem-se, de súbito!” Com a mesma intensidade que expressou, em oração, seu desejo pela proximidade de Deus, também ordena o afastamento imediato dos seus inimigos.
- Davi, que esperava a morte por causa da sua doença, que sofria com as acusações ímpias e a demora da resposta de Deus, declara querer que seus inimigos sejam envergonhados e cobertos de vexame. A ideia é que Davi quer que seus inimigos sejam destruídos.[11]
Davi faz declaração semelhante no Sl 35: “Envergonhem-se e juntamente sejam cobertos de vexame os que se alegram com o meu mal; cubram-se de pejo e ignomínia os que se engrandecem contra mim” (v. 26).
De onde, entretanto, veio essa convicção do salmista? Como da certeza da morte ele passou a declarar maldições sobre seus inimigos?
b. Declaração de confiança e esperança (v. 8b-9)
A resposta está na metade do v. 8 e 9: “porque o SENHOR ouviu a voz do meu lamento; 9 o SENHOR ouviu a minha súplica; o SENHOR acolhe a minha oração.” Isso é uma declaração de confiança e esperança.
Primeiro, porque a repetição do nome de Deus é marcante. Davi declara confiança e esperança não em si mesmo, mas no grande EU SOU Todo Poderoso que enche o céu e terra com sua glória. Segundo, porque nas suas palavras ele demonstra confiança de que Deus o ouve e esperança que ele acolherá sua súplica. É como se Davi dissesse: “Olha, pecadores, o Senhor costuma ouvir (no presente) minhas súplicas e acolherá (futuro) minha oração, então se eu fosse vocês, já ia batendo em retirada”.[12] Inclusive, a bíblia ARC capta essa ideia da esperança futura da resposta de Deus mais precisamente quando coloca: “o SENHOR aceitará a minha oração.” (v.9b)
Esse é o motivo da grande virada do Salmista. É isso que o leva da destruição à renovação, da dúvida à certeza, do “Até quando, Senhor?” até a esperança de que o Senhor ouvirá sua oração.
Aplicação
- Nós certamente podemos invocar o nome do Senhor! Mas não qualquer Deus: o grande Deus Vivo, o nosso Deus.
Aprenda com Davi neste momento. Em tempos de vitória, invoque o SENHOR. Elogie-o. Em tempos de derrota, invoque o SENHOR. Peça por ajuda. Em tempos de tentação, invoque o SENHOR. Procure a libertação. Na noite escura da alma, invoque o SENHOR. Solicite luz. O SENHOR é nosso caminho através da escuridão. Ele é nossa única esperança segura na vida e na morte. Ele é nossa esperança mesmo quando desconhecemos sua presença.[13] - Vimos a certeza e a esperança brotar do coração do Salmista. Provavelmente a situação ainda não tinha mudado do lado de fora, sim, do lado de dentro.
- Davi termina o salmo fazendo uma imprecação, ou seja, lançando maldições sobre seus inimigos. Ele fez, mas nós podemos fazer hoje?
Nas orações imprecatórias a questão não é vingança ou rancor pessoal. Há uma preocupação primeira com a glória de Deus e a justiça na Terra. Orações imprecatórias representam um clamor por justiça ao Deus que reto. Se pudermos orar sinceramente sobre a glória de Deus em uma situação injusta, sem ser um ressentimento pessoal, mas zelo pelo nome de Deus, esse é o jeito certo a se fazer. Quando Jesus, motivado por justa indignação, quebra a barracas na frente do templo, ele o faz preocupado com a glória de Deus.
O rei representava Deus. A reputação de Deus estava ligada ao rei. Ofender o rei era ofender o ungido de Deus (lembrar da Estrutura do livro do Robertson). E Davi era o ungido de Deus de uma forma particularmente especial, de uma maneira cristológica.
A coisa principal para dizer é que nós não devemos tomar as imprecações como encorajamento ou incentivo para amaldiçoar nossos inimigos.
Mas podemos orar para que Justiça seja feita. Ao Senhor pertence a vingança: “Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor. Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça.” (Romanos 12:19-21) - O lamento e a ajuda ao próximo: Esse foi o lamento de Davi. E esses lamentos foram registrados porque nem sempre a pessoa em dor sabe lamentar de forma que possa ajudar outros. Quantas vezes você já viu o lamento de alguém que falava coisas tão absurdas e você logo pensava “vamos dar um desconto porque realmente está passando por dores”, mas se um neófito estivesse ouvindo seria prejudicado? Saber lamentar é uma virtude que nem todos tem. Podemos então usar os salmos de lamento para isso.
Conclusão
O sofrimento é algo comum na experiência de qualquer pessoa: ricos ou pobres, novos ou velhos, ímpios ou crentes. Na vida de Davi não foi diferente. Mas mil anos depois do sofrimento do Rei de Israel surgiria o Rei dos Reis, que certamente sofreria muito mais. Seu nome é Jesus Cristo, o Servo sofredor, o chamado homem de dores em Is 53 (Cristo sabe o que é sofrer). Ele foi perseguido pelo seu ensino e zombado em sua dor. Experimentou o terror da morte no Getsêmani e a própria morte em Gólgota. Tudo para suportar a justa ira de Deus em nosso lugar. Ira que deveria ser derramada sobre nós, mas em seu lugar obtemos graça e misericórdia.
Cristo é a nossa fonte real de misericórdia e graça (Hb 4.15-16): “15 Porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; antes, foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado. 16 Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna.”
O Sl 6 é uma oração e declaração de um crente enfermo. Através dele aprendemos a lamentar. Mas Cristo, nosso salvador, é quem nos ensina sofrer!
Bibliografia
[1] Charles Spurgeon, “The Fainting Hero,” MTP, Vol. 55, Sermão 3131. In Eswine, Zack. A Depressão de Spurgeon: Esperança Realista em meio à Angústia (p. 27). Editora Fiel. Edição do Kindle.
[2] O pedido de Davi fica explicito pelo uso do jussivo nos dois verbos “repreender” e “castigar”, e enfatizado pelo paralelismo. “O jussivo, dependendo da posição relativa entre a pessoa que fala e aquele a quem indiretamente o discurso é dirigido por também significar uma oração” (CHISHOLM JR., Robert B. Da exegese à exposição: guia prático para o uso do hebraico bíblico. São Paulo, SP: Vida Nova, 2016, p. 128.), como é o caso aqui do Salmo.
[3] Diferente do v. 1, o v. 2 apresenta as súplicas no imperativo. A razão para a não utilização do imperativo no v. 1 está no fato de esse modo não ser usado na forma negativa, mas sempre positiva (KELLEY, Page H. Hebraico Bíblico: Uma Gramática Introdutória. 7. ed. São Leopoldo: Sinodal, 1998. p. 198).
[4] O verbo traduzido por “volta” é usado de várias maneiras no Antigo Testamento. Mas, quando Deus é o sujeito, ele traz a ideia do Senhor se voltando para aquele que suplica por seu perdão, e assim Deus afasta a sua fúria. (THOMPSON, J. A.; MARTENS, Elmer A. swb. In: VanGEMEREN, Willem A. (Org.). Op. Cit. Vol. 4. p. 58.)
[5] “A doutrina surgiu apenas nos últimos escritos do AT e encontrou expressão mais completa nos séculos judaicos que precederam a era cristã.” (CRAIGIE, Peter C. Word Biblical Commentary: Psalms 1-50 (Vol. 19). Dallas, TX: Word Books, 2002.)
[6] WALTKE, Bruce K.; YU, Charles. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo, SP: Vida Nova, 2015, p. 1076, 1077.
[7] O verbo traduzido aqui no qal perfeito, dando a ideia de ação completa, assim como os verbos “achar” e “envelhecer” no v. 7.
[8] ROBERTSON, O.Palmer. The Flow of the Psalms: Discovering Their Structure and Theology. Edição do ed. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 2015, pos. 471-476. Edição do Kindle.
[9] BEEKE, Joel. Todas as Coisas Cooperam para o Nosso Bem. Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/comentarios/romanos8_28_beeke.htm>. Acesso em 28 fev. 2018.
[10] Ludwig Koehler et al., The Hebrew and Aramaic lexicon of the Old Testament (Leiden: E.J. Brill, 1994–2000), 22.
[11] A palavra traduzida na RA como os verbos “envergonhar” e “Cobrir de vexame” não significam apenas passar por algo constrangedor. Traz a ideia de sofrer a vergonha por causa da destruição. (Philip J. Nel, “בושׁ (1)”, org. Willem A. VanGemeren, Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento. São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2011, 604.)
[12] Na HBS, o v. 9 começa com o qal perfeito de “ouvir” e termina com o qal imperfeito de “Acolher”. Ao colocar os dois verbos no início e no final, o poeta cria um sentimento de esperança e confiança no movimento de “ouviu” para “acolhe” (ou “tem acolhido”, “acolherá”). Este movimento é sublinhado por uma mudança gramatical do perfeito hebraico (passado) no primeiro verbo para o imperfeito hebraico (futuro).
[13] BOICE, James Montgomery. Psalms 1–41: An Expositional Commentary. Grand Rapids, MI: Baker Books, 2005.