A Bíblia não é contrária ao sexo, muito pelo contrário. Diferente do que muitos acham, ela é pró-sexo, orientando que seja feito com frequência, sendo interrompido apenas com mútuo consentimento, para fins devocionais (1Co 7.3-5). E com a prática sexual surgem algumas dúvidas. Nesse artigo tratarei de algumas delas.
O que significa sodomia? Um casal heterossexual casado pode fazer sexo anal? Jovens e adolescentes, assim como casais, me fazem essa pergunta. Então precisamos tratar o tema com honestidade. Para isso, lidarei primeiro com o texto hebraico e grego, depois traremos à memória o significado cultural da palavra sodomia e concluiremos à luz da contribuição dos estudos feitos. Por fim, como esse é um texto pastoral, trago três conselhos para o casal refletir acerca do sexo anal.
1. Significado das palavras originais
Na Bíblia não há a palavra sodomia, mas sodomita. Usarei a tradução Almeida Revista e atualizada como base para conferirmos as ocorrências e investigarmos as palavras, tanto no AT quanto no NT, que foram traduzidas por sodomita.
a. Antigo Testamento (Hebraico: keleb)
A palavra sodomita ocorre na tradução da Bíblia Almeida Revista e Atualizada (RA) apenas 1 vez.
Dt 23.18: “Não trarás salário de prostituição nem preço de sodomita à Casa do Senhor, teu Deus, por qualquer voto; porque uma e outra coisa são igualmente abomináveis ao Senhor, teu Deus.”
A palavra hebraica traduzida aí é literalmente “cão”, mas seu uso na bíblia é predominantemente em sentido figurado (HALOT). Por exemplo, o gigante Golias, “vendo a Davi, o desprezou, […] dizendo: Sou eu algum cão, para vires a mim com paus?” (1Sm 17.42-43)
As ocorrências dessa palavra no AT, em sentido figurado, mostram algo impuro e desprezível. Como o contexto de Deuteronômio 23 estava falando que dinheiro conseguido de forma impura não deveria ser trazido ao Tabernáculo, o escritor bíblico usou essa palavra no sentido de relações sexuais impuras. Os tradutores entenderam isso colocaram a palavra sodomia.
A tradução Revista e Corrigida (RC), usa “sodomia” como opção de tradução de outras palavras hebraicas, mas sempre no sentido de prostituição, principalmente cultual (cf. Jó 36.14, Gn 38.2). A conclusão é que no AT não há uma palavra específica para a prática da sodomia, embora ela seja condenada (Lv 18.22) quer seja nos cultos pagãos quanto na intimidade.
b. Novo Testamento (Grego: arsenokoités)
A palavra grega arsenokoités significa “um homem que se envolve em atividade sexual com outra pessoa do mesmo sexo, […] também podendo ser traduzido como pederastia” (BDAG). É a referencia ao homem ativo na relação sexual.
A palavra sodomita aparece na tradução da RA duas vezes.
1Co 6.9-10: “Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, […] herdarão o reino de Deus.”
Paulo, a partir de 1Co 5, argumenta contra a imoralidade sexual. Ele começa condenando um caso de incesto que aconteceu na igreja (v. 1). Depois ele argumenta a favor do uso da disciplina eclesiástica para os casos de impureza na igreja e contra outros tipos de imoralidade até chegar em 6.9. Esse texto condena tanto efeminados quanto sodomitas, parecendo fazer uma justaposição, reprovando tanto homossexuais ativos quanto passivos.
1Tm 1.10: ”impuros, sodomitas, raptores de homens, mentirosos, perjuros e para tudo quanto se opõe à sã doutrina”
No contexto de 1Tm Paulo fala à Timóteo que a lei condena “tudo que se opõe à sã doutrina”. E cita alguns destes que são oposição. Entre eles, os sodomitas. É importante notar que ele os cita depois de menciona “os impuros”, fazendo a mesma associação de 1Co 6.9.
O que podemos concluir, tanto das referências do AT e NT é que as ocorrências da palavra sodomia são em condenação da homossexualidade, o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo, quer passivamente ou ativamente.
2. Significado cultural (Gn 19)
A palavra grega e hebraica que são traduzidas por sodomia ganharam esse significado por causa do evento de Gênesis 19. Anjos vão até a cidade de Sodoma e Gomorra e lá, estando hospedados por Ló, são requisitados pelos homens da cidade ao final do dia para que sejam abusados. Ao que o texto indica, era comum os estrangeiros que passavam por lá participarem dessa prática.
Em Gn 19.5 (RA) os homens da cidade dizem: “Onde estão os homens que, à noitinha, entraram em tua casa? Traze-os fora a nós para que abusemos deles.”
O texto hebraico em si não usa a palavra sodomia ou outra palavra puramente negativa, como nos mostra a tradução com o termo “abusar”. Mas o verbo hebraico que foi traduzido como “abusar” na RA é literalmente “saber, conhecer”. Além do uso comum, na Bíblia é frequente seu uso para especificar relações íntimas e sexuais. Por exemplo, em Gn 4.1 está escrito “Coabitou o homem com Eva, sua mulher”, onde coabitar é literalmente “conhecer”, a mesma palavra usada em Gn 19.5, mas com conotação sexual.
Embora a palavra Sodomia não seja usada nesse evento, as práticas homossexuais daquela cidade indicam que esse evento se tornou um paradigma, um exemplo. Então, durante a história as referências de relacionamentos de pessoas do mesmo sexo, principalmente de homens abusando de outros, vem dessa ocasião. Por isso algumas traduções mais antigas usam a palavra sodomia como sendo um equivalente à homossexualidade.
3. Conclusão
Uma vez que vimos o significado da palavra grega e hebraica, assim como seus respectivos contextos, e também lembramos o evento bíblico que gerou seu uso, podemos traçar algumas conclusões.
Sendo que na Bíblia a referência de significado dessas palavras é sempre a homossexualidade, há uma conexão clara com Rm 1.18-27, mesmo não sendo usadas especificamente no texto. Também, Romanos 1 é importante para relacionarmos o uso da palavra Sodomia ao sexo anal. O argumento de Paulo aqui é:
v. 18-23: Deus se ira justamente porque se revelou, mas os homens foram loucos e indesculpáveis por negar essa revelação e, no lugar de adorar a Deus, fizeram ídolos à semelhança humanos ou animal.
Devido a idolatria, Deus os entregou (abandonou) em dois tipos de engano:
- v. 24-25: Imundícia – engano acerca de Deus.
- v. 26-27: Paixões infames – engano acerca do homem.
No engano sobre Deus, por causa da concupiscência do coração, o homem se entrega à mentira. Por causa disso, ele passa a ter uma percepção diferente da realidade, inclusive, no que diz respeito a identidade. Longe da verdade de Deus, nós achamos que somos quem não somos e entramos em profunda crise. A homossexualidade é uma mentida acerca da identidade mais básica da criação humana: macho e fêmea. Por isso, tanto no AT quanto no NT, ela é condenada. E, à luz do evento de Sodoma e Gomorra, é mencionada por “sodomia”.
Mas um homem pode fazer sexo anal com sua esposa?
Há um debate sobre essa questão, possuindo basicamente 2 posições. E ambas concordam que a Bíblia não menciona diretamente a prática heterossexual anal.
A primeira posição, afirma que esse texto de Romanos 1, ao condenar a homossexualidade (sodomia), o faz porque ela é contra a natureza criada por Deus. Assim, usar o ânus para isso é contrário à natureza, pois Deus criou órgãos sexuais completamente funcionais e próprios. É também trazer a realidade da prática sexual ímpia, condenada por Deus nos homossexuais, para o leito do matrimônio que deve ser sem mácula (Hb 13.4). Por fim, há uma série de implicações higiênicas e fisiológicas que devem ser levadas em consideração, principalmente quando o assunto é a saúde da mulher.
A segunda posição, mais concisa do que a anterior, afirma que o corpo do homem pertence à mulher e da mulher ao homem (1Co 7.1-7). Assim, já que a Bíblia não faz clara referência condenatória à prática, se for com mútuo consentimento pode ser praticado.
O problema da primeira posição, quando ela fala do uso do ânus fora da sua função criada, é que a boca também não foi inicialmente criada para isso. Mas a Bíblia fala positivamente de beijo, por exemplo (Pv 24.26). Alguns vão dizer “fruto doce ao meu paladar” em Ct 2.3 é uma referência figurada ao sexo oral, o que parece ser coerente com o contexto da poesia e o tipo de linguagem do livro. Os seios também tem função de amamentar (Jó 3.12), mas também são acariciados como zona erógena (Ct 5.19).
O problema da segunda posição é que ela deixa aberto para que seja feito qualquer tipo de coisa, desde que se esteja dentro do matrimônio. Dentro da área da sexualidade há várias práticas perversas e degradantes que, mesmo que seja de consentimento mútuo, são expressão de falta de cuidado e amor com o cônjuge.
Assim, à luz de tudo que foi visto, mesmo que a Bíblia não associe sodomia à relação heterossexual anal e não condene diretamente a prática, creio ser não recomendável.
4. Conselhos finais
Assuntos sexuais são delicados por se tratarem de tabus. Mas principalmente porque envolvem expectativas e desejos pessoais e do outro. Também podem envolver pecado. Por isso, termino com alguns conselhos finais para se pensar a respeito do tema.
a. Amor, respeito e consentimento mútuo
O plano de Deus para o casamento é para cada um se preocupar em cuidar do outro (Ef 5.33). No bom casamento não há lugar para o egoísmo. O ato sexual é uma coisa muito íntima, que precisa de amor e respeito mútuo para não levar a abusos. Como já mencionado, o corpo de um pertence ao outro. Quem quer satisfazer na hora do sexo, a si mesmo ou o seu cônjuge?
b. Saibam possuir o próprio corpo
Não devemos fazer algo que desonre o nosso próprio corpo, muito menos o corpo do nosso cônjuge (1Ts 4.4-7). O homem deve amar sua esposa como ama seu próprio corpo, se sacrificando por ela para seu cuidado assim como Jesus fez pela Igreja (Ef 5.28-31). Essa prática desonrará a pessoa? Ela se sentirá bem?
c. Não machuquem a consciência
Induzir o cônjuge a fazer algo contra sua vontade é ferir sua consciência. Converse em amor, mas não force nada. Pois tudo que não provém de fé é pecado (Rm 14.23). Peçam sabedoria a Deus (Tg 1.5) e desfrutem da dádiva de Deus que é a relação sexual.