Meus pais foram superprotetores, e agora?

É difícil especificar quais as consequências que pais superprotetores podem ter na vida dos filhos. Há alguns fatores que influenciam diretamente nos frutos colhidos dessa semente maligna; outros, indiretamente. 

Então, ao invés de dar uma lista, quero (1) lembrar dois princípios sobre a realidade do pecado, mostrar (2) uma aplicação deles e analisar (3) o ensino bíblico sobre criação de filhos. Por fim, responder se (4) há esperança para quem teve pais superprotetores.

1. A realidade do pecado

É importante lembrarmos dois princípios bíblicos, que são:

a. O pecado é abrangente (Rm 3.23)

Isso significa que ele afeta cada aspecto da realidade. Os relacionamentos, o trabalho, a educação, os estudos, a política, a criação de filhos e a obediência aos pais. Ou seja, os pais certamente pecarão contra os filhos e vice-versa.

Alguns pais serão superprotetores, outros, negligentes irresponsáveis. Outros ainda, se encontrarão em algum lugar entre esses pólos, contudo, errando também.

b. Há uma relação entre os pecados (1Co 8.9; 10.32)

Isso significa que o pecado de alguém pode me estimular a pecar também. Isso não me isenta da culpa pessoal. Não posso culpar o outro por ter cometido o meu pecado. 

Assim, um filho não pode culpar os pais pelos seus pecados, tampouco os pais culparem os filhos (Ez 18.20). Mas podem responder pecaminosamente ao pecado do outro, quando o correto seria responder de maneira correta e santa.

Os dois princípios serão melhor compreendidos a seguir, ao aplicarmos a um caso, onde o pecado dos pais se une ao dos filhos.

2. Aplicando a realidade do pecado

Uma mãe pode ser controladora e consumida pelo medo paranóico. Por isso, sufoca seu casal de filhos com regras impossíveis e os monitora compulsivamente. 

Em resposta, a filha, que também possui um medo desmedido de tudo, abraça a realidade ilusória que a mãe criou porque lhe é conveniente. Ambas se alimentam do insegurança e paranóia uma da outra, pecando uma contra a outra.

O outro filho, que possui um coração rebelde, se revolta, afronta e desrespeita a mãe porque acha as regras muito restritivas. Por causa disso, a mãe tenta controlar mais ainda, o que faz o filho desobedecer ainda mais, num ciclo de pecado mútuo.

É a mesma mãe, com os mesmos pecados, mas filhos diferentes e pecados diferentes. Isso significa que pais superprotetores, dependendo de como exercitam essa falha, podem afetar os filhos de forma diferente.

Mas quais as consequências mais comuns de ter pais assim, principalmente na vida adulta?

3. Ensino bíblico e as consequências

Bíblia é rica de instruções tanto aos pais quanto aos filhos. Um delas está quando Paulo diz: “E vocês, pais, não provoquem os seus filhos à ira, mas tratem de criá-los na disciplina e na admoestação do Senhor.” (Efésios 6.4) Em outras palavras, a maneira de provocar filhos irados é deixar de “criá-los na disciplina e admoestação do Senhor”. 

A seguir, alguns exemplos da ausência de uma criação bíblica:

a. Insubmissão às autoridades

Um pai ou mãe superprotetor não está criando seu filho na disciplina do Senhor, mas na própria. Seus padrões são legalistas, normalmente focados apenas no comportamento.

A consequência pode ser filhos irados, que se sentem injustiçados e tem dificuldades de se submeter às autoridades, mesmo depois que crescem. Uma vez que o primeiro modelo de liderança foi abusivo, tendem a ver qualquer um assim. Não é raro mulheres adultas terem problemas em se submeter ao seu marido, alimentadas pelo temor de abuso de autoridade – o que une a influência do pecado dos pais com o seu próprio.

b. Dificuldade de confiar

Se a disciplina visa corrigir comportamento, a admoestação corrige o coração. Admoestar é pregar o evangelho aos medos, inseguranças, revoltas e pecados do filho. Pais bíblicos não se importam apenas com o que a criança faz, mas o porquê ela faz. Eles cuidam das mãos, mas também do coração.

Pais superprotetores, contudo, têm dificuldades de admoestar os filhos. Uma vez que querem estar no controle, com regras que nem sempre fazem sentido, alimentados por medos injustificados, não podem “admoestar no Senhor”. Normalmente, eles admoestam usando três estratégias: medo, força ou barganha.

A estratégia do medo é aquela que pais usam quando querem controlar a criança baseado-se nos supostos perigos do ambiente. É o “bicho papão” que mentimos existir, para que a criança não desça da cama no meio da noite. Como resultado, a criança pode abraçar o temor – que tende a acompanhá-la até a vida adulta. Ela tenderá à insegurança.

A estratégia da força é aquela de pais que forçam o filho medindo força com ele. Pais que batem por qualquer coisa, banalizando a necessária correção física (Pv 13.24). Isso faz com que o filho só entenda que as coisas são sérias quando envolve castigo. Na vida adulta pode ser que ele sempre tenda a desrespeitar as regras, ao menos até que sofra algum castigo civil ou administrativo, por exemplo.

A estratégia da barganha é aquela em que os pais compram o bom comportamento do filho com presentes. Podem ser brinquedos, permissão para fazer algo, uma comida, viagens ou qualquer outra coisa. Mas isso deixa de treinar o caráter da criança, impelindo-a a ser interesseira. Se não puder “lucrar”, não vale a pena fazer. Assim, ela se torna vulnerável aos próprios desejos e a quem estiver disposto a realizá-los. Tudo pode ser precificado. Inclusive, por que não, o próprio corpo?

Todas essas estratégias podem ser usadas na mesma criação, pelos mesmos pais. Todas criam adultos que não confiam, porque só experimentaram medo, força ou interesse. Não há respeito ou autoridade de verdade.

c. Ansiedade e imaturidade

Pais quesão superprotetores não estão criando maturidade. Os anos passam, as crianças chegam à maioridade, porém, não crescem em inúmeros aspectos.

Quando não hádisciplina e admoestação do Senhor, criamos uma geração ansiosa e despreparada para os duros desafios da realidade de um mundo caído. As coisas mais simples se tornam intransponíveis, uma vez que foram cercados pelas ilusões da proteção que receberam. Como foram lacrados numa redoma hermeticamente fechada pela insegurança, acabaram com os músculos morais e espirituais atrofiados.

Os pais os protegeram de tudo e todos, menos de si mesmos. Eles fizeram tudo o que podiam, menos o que deviam: criar-los para a glória de Deus.

4. Há esperança para filhos criados assim?

Homens e mulheres que foram criados sem o evangelho “do Senhor”, só receberam o sangue inflamado das feridas pecaminosas dos pais. Mas o que eles precisam é do sangue puro e santo de Jesus.

O evangelho oferece redenção, tanto para filhos quanto pais. Filhos que foram criados sem confiar na soberania de Deus podem experimentar alívio e confiança. Podem aprender a se submeter às autoridades de verdade e desfrutar de uma paz corajosa. 

Alguns pecados podem levar mais tempo para serem tratados. Algumas feridas podem levar mais tempo para cicatrizar. Mas há redenção. Isso começa com arrependimento, passa pelo perdão recebido de Deus e continua oferecendo perdão aos pais. Por isso, há esperança.

Olhe para cima, lá esta o Senhor, nosso Pai. O Pai que nunca falha, que não é superprotetor e que nos ama o suficiente para enviar-nos à fornalha ardente. Um Pai que está mais interessado em nosso crescimento do que com nosso conforto.

Nem os pecados cometidos conta mim, nem os que cometi contra outros possuem a última palavra para determinar quem somos, se estamos em Cristo. Se antes experimentávamos a realidade abrangente e inter-relacionada do pecado, agora experimentamos a realidade da justificação de Deus. “Onde abundou o pecado, superabundou a graça”. (Rm 5.20)

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