Recebi essa pergunta por causa desse sermão que preguei, baseado no Sl 23: https://youtu.be/y6dR8kFUqxw. Nele, em determinado ponto, digo que não podemos usar a paz no coração como critério confiável para tomar decisões, pois isso é arriscado e subjetivo demais.
Quero compartilhar, então, minha resposta em 3 partes. Primeiro, explicarei brevemente o conceito bíblico de coração, depois falarei do porquê não devemos seguir o coração e, por fim, mostrarei o que significa o versículo que fala que a “paz é árbitro do coração”.
O CONCEITO DE CORAÇÃO
A Bíblia utiliza o termo “coração” como indicativo do “homem interior”, pois ele se refere ao intelecto (Lc 5.22), vontade (At 11.23) e afeição (Jo 14.1), ou seja, o âmago da pessoa, aquilo direciona e motiva suas ações. Logo, toda decisão e ação que é tomada a partir do coração, é baseada na própria vontade, pensamentos e sentimentos.
A CONDIÇÃO DO CORAÇÃO
Além de ser o âmago pessoal, é no coração que habita o pecado. Segundo as Escrituras, é dele que procedem os maus desígnios (Mc 7.21-23). No livro do profeta de Jeremias encontramos um dos retratos mais conhecidos, duros e reais sobre o coração humano: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas e desesperadamente corrupto” (Jr 17.9). Assim, aquele que não se atenta para o quão enganoso é o seu coração, capaz de distorcer fatos e gerar argumentos para justificar seus anseios e ações, está completamente iludido.
Não é incomum encontrarmos cristãos que pautam suas decisões, corriqueiras ou complexas, da vestimenta ao namoro, do casamento ao divórcio, na subjetividade do seu coração, simplesmente explicando: “Senti no coração!”. Como se o fato de sentir no coração fosse uma confirmação da vontade de Deus para sua vida. Quando agimos pelo impulso do coração estamos incorrendo em um grande erro e expostos a grandes riscos, porque, de fato, naturalmente, o nosso coração não é uma fonte segura.
Permita-me ilustrar esse engano produzido pelo coração com a personagem Olaf, do filme Frozen. Olaf é um boneco de neve que ganhou vida após um passe de mágica da rainha Elsa. Entretanto, mesmo sendo um boneco de neve, ou seja, essencialmente feito de gelo, Olaf ansiava pela chegada do verão e adorava “abraços quentinhos”. Por vezes, agimos como o Olaf, e caímos no engano do nosso coração, nos entregando aos seus desígnios sem sequer notar que muitos deles, embora até lícitos, são extremamente nocivos à nossa natureza e nova vida em Cristo.
O FILTRO PARA O CORAÇÃO
Os desejos do coração, por isso, precisam de ser passados pelo filtro das Escrituras e serem avaliados pela vontade revelada de Deus. O Senhor, que tudo conhece e que tudo sabe, é o único que pode sondar o coração e nos guiar pelo caminho eterno (Sl 119.23-24). É ele quem modifica a inclinação do coração, transformando-o, a fim de que obedeçamos à sua vontade (Ez 36.26-27). Assim, o cristão evidencia esse coração transformado submetendo seus pensamentos, desejos e sentimos à vontade revelada de Deus, em semelhança ao seu Mestre (Mc 14.36; Mt 6.10).
Aqueles que argumentam estar “com o coração em paz” ou “não estarem em paz” sobre determinado assunto ou decisão, mas sem considerar o que a Bíblia fala, precisam tomar cuidado. Esses, inclusive, usam o Cl 3.15 para dizer que a “paz no coração é o árbitro de suas decisões”. Mas, o texto bíblico, dentro do contexto, fala de algo diferente:
“Que a paz de Cristo seja o árbitro no coração de vocês, pois foi para essa paz que vocês foram chamados em um só corpo. E sejam agradecidos. Que a palavra de Cristo habite ricamente em vocês. Instruam e aconselhem-se mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus com salmos, hinos e cânticos espirituais, com gratidão no coração. E tudo o que fizerem, seja em palavra, seja em ação, façam em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai.” (Cl 3.15–17)
Nesse texto Paulo fala que a paz de Cristo, não do coração, deve ser o árbitro no coração. A paz procede de Jesus; o coração apenas a recebe. Jesus é a fonte, o coração, alvo. E que paz é essa? A paz que obtemos através da obra de salvação da cruz, onde Cristo morreu nossa morte para nos dar sua vida, nos livrando da justa ira de Deus e o tormento eterno. É a paz da salvação que deve julgar as intenções no coração.
Essa paz não é subjetiva, mas objetivamente enraizada na história da redenção. E, a partir disso, promove resultados horizontais, com o próximo. Além disso, essa paz depende da habitação rica das Escrituras em nós, de conselhos e instruções sábios, e de gratidão no coração. Mas tudo começa com a Bíblia.
É a Bíblia que nos mostra quem somos e o que Jesus fez para nos livrar de quem somos. Ela quem nos enche das verdades de Deus para que possamos decidir segundo a vontade revelada de Deus em suas páginas. São as Escrituras que fazem alguém sábio e apto para aconselhar. Então, a paz não é o árbitro, mas a Bíblia que revela o salvador Jesus. É melhor estar com conflito interno, mas convicto de que está fazendo o que deve fazer em obediência a Deus.
Assim, na próxima decisão que você tiver de tomar, ao invés de seguir o seu coração, faça igual àquela velha brincadeira infantil, siga o Mestre! Esse certamente é o caminho mais seguro.