A vida cristã, ao contrário do que alguns pensam, não é preto no branco, tampouco polarizada. Nem sempre conseguimos avaliar o que é exclusivamente bom ou ruim numa sociedade complexa como a nossa.
Nós mesmos, por causa do pecado, não somos “preto no branco”. Fazemos coisas boas com motivações pecaminosas. Ou crentes desinformados podem errar sinceramente em suas vidas cristãs, apesar de bem intencionados. Em ambos os casos há pecado envolvido. O Espírito Santo habita em pessoas pecadoras e isso mostra que o espectro da experiência humana é cinza, preto com branco, branco com preto.
A sociedade, as empresas, os governos expressam esse paradoxo também. Em âmbito social temos práticas justas sendo promovidas por ideologias anticristãs. Na área econômica, notamos empresas oferecendo bons serviços e itens de consumo por um preço justo, mas também promovendo uma missão pecaminosa. Os governos são exemplo de graça e desgraça, porque ao mesmo tempo que são instrumento da graça comum de Deus para reter o mal, também podem promovê-lo.
No tempo de Jesus os apóstolos encontraram uma sociedade extremamente secularizada[1], idólatra, e basicamente tudo, governamentalmente, economicamente e religiosamente, era oferecido a ídolos. Por isso, Paulo recomenda sabedoria na hora de comer e beber alimentos de origem idólatra. Não porque em si tinham alguma maldição, mas porque eles poderiam se tornar maldição ao escandalizar os irmãos (Rm 14). Em Rm 12, o apóstolo conclama os crentes que viviam na capital do império idólatra, a não se conformarem com aquele século, mas serem transformados na maneira de pensar (v. 1-2). Essa nova forma de raciocinar, segundo os padrões de Deus, seria essencial para avaliar o que poderiam ou não fazer e consumir, caso não fosse expressamente proibido nas Escrituras.
E nós, o que fazer?
Para nadar nesse oceano cinzento, o cristão necessita de sabedoria bíblica e discernimento contextual. Podemos consumir serviços e produtos de empresas com filosofias idólatras. Mas podemos também nos abster, caso o consumo fira nossa consciência ou do nosso irmão em Cristo. Entretanto, é quase impossível encontrar algo completamente puro, branco e santo no mundo caído em que nos encontramos.
No campo da cosmovisão, há décadas se discute a responsabilidade do cristão diante da cultura e o que ela produz. Três posições são mais populares nessa pauta.
A primeira, é o Cristo da cultura. É o conceito que na cultura (leia-se sociedade) não há nada ruim ou bom em si mesma. O cristianismo concorda com tudo que é produzido porque tudo é fruto da graça comum de Deus. Então, podemos usufruir livremente porque somos livres em Cristo Jesus. Esse posicionamento ignora que a pecaminosidade pessoal produz estruturas pecaminosas que podem ser perceptíveis (e condenáveis) na sociedade.
A segunda, é o Cristo contracultura. É o conceito que tudo produzido é ruim, afetado pelo pecado e não podemos concordar, consumir ou fazer nada a respeito. Devemos produzir música cristã porque a secular é idólatra, fazer nossa própria comida porque as motivações da indústria são pecaminosas. Devemos ler apenas “literatura cristã” porque qualquer outra é fruto do pecado. No fim, nada é bom, a menos que seja produzido por cristãos. Essa perspectiva ignora que a graça comum capacita pessoas idólatras e ímpias a fazerem e produzirem coisas boas e que nós podemos usufruir disso.
Por fim, a mais assertiva das três, é o Cristo redentor da cultura. É o conceito que o cristão, à semelhança de Jesus que se encarnou no mundo para o redimir, pode usufruir dos frutos da graça comum para propósitos santos. Fazendo assim, ele estará reformando[2] o que originalmente foi produzido para ídolos, mas que em si mesmo não é pecaminoso. Quando algo não é explicitamente imoral, não quebra diretamente mandamentos bíblicos e nem fere a consciência do meu irmão, pode ser usado. Nesse sentido, a internet, tecnologia, arte, itens e serviços de consumo, podem ser usados para finalidades santas, para benefício da família, igreja e glória de Deus.
Não significa, entretanto, que fechamos os olhos para o mal do mundo, sociedade, empresas e governos. Mas implica que, à luz das Escrituras e dependência do Espírito, podemos avaliar o que podemos fazer e consumir desse mar cinzento da realidade e transformá-lo em bênção. Há momento de boicotar organizações, como Daniel na Babilônia, e momentos de não fazer nada, como Jesus comendo com publicanos. Em alguns momentos é possível deixar de consumir algo, já em outros, não. Quer consuma ou não, faça para a glória de Deus, senão, não haverá reforma daquilo.
Apenas quando Jesus voltar seremos completamente transformados e ficaremos mais alvos do que a neve. Apenas nos Novos Céus e Nova Terra teremos uma sociedade, cultura, economia e realidade completamente puras e santas. Até lá os cristãos estão numa realidade cinza, tornando-se cada vez mais esbranquiçados pelo poder santificador do Espírito e da Palavra. E parte desse processo é ter sabedoria e discernimento na jornada no espectro cinza desse mundo caído, mas com paisagens da graça do bondoso e gracioso Deus.
[1] Quando menciono a sociedade “extremamente secularizada” tenho em mente o significado de “século” que Paulo usa em Rm 12.1, na conclamação para “não se conformarem”.
O verbo grego traduzido por “conformar” só aparece duas vezes no Novo Testamento. Em Rm 12.1 e na primeira carta de Pedro 1.4, que diz: “Como filhos da obediência, não vos amoldeis às paixões que tínheis anteriormente na vossa ignorância;” Em ambas as referências, o sentido é o mesmo: “não tomar a forma de…”.
Então, “século” ou “sociedade secularizada” faz alusão a um padrão de comportamento, aos valores e ética do sistema mundial. Ou seja, um modelo de procedimento contrário à ética bíblica.
Ele está usando aqui no mesmo sentido que usou quando escreveu sua 2ª carta a Timóteo, e disse: “Porque Demas, tendo amado o presente século, me abandonou” (2Tm 4.10).
[2] Note que não disse que nós redimimos a cultura, mas reformamos. Por dois motivos: Primeiro, redenção, na Escritura, é um ato divino. O termo “redenção” e alguns de seus correlatos são termos que a Bíblia reserva a Deus somente. Trabalhamos em prol de salgar o contexto, mas redenção é negócio divino.
Em segundo lugar, redenção nunca retrocede. Uma reforma social pode preservar certos valores em uma comunidade, mas tais valores sociais não são perenemente mantidos. Redenção, em contrapartida, é sempre retratada como progressivamente certa. Um indivíduo pode enfraquecer na fé, tropeçar em pecados, subjetivamente ter a percepção de regredir. Todavia, objetivamente ele nunca retrocede em redenção. É impossível um cristão estar menos remido hoje do que estava ontem. Pelo contrário, somos transformados de glória em glória pelo Espírito de Deus (2 Co 3.18; cf. Cl 3.9-10). A renovação de nosso ser segundo a imagem de Cristo é progressivamente certa (Rm 8.28-30; Fp 1.6). Ainda somos cercados por maldições não retiradas (Rm 8.18-23), mas isso não impede que caminhemos em triunfo, o qual já nos está garantido (Rm 8.35-39; 2 Co 2.14).
Muito bom!!!
Obrigado, meu irmão! Deus o abençoe.
Questões sabiamente pontuadas.
Precisamos aprender a ser sábios e biblicamente orientados em nossa relação complexa com a sociedade!
I really like your blog.. very nice colors & theme. Did you create this website yourself
or did you hire someone to do it for you? Plz respond as I’m
looking to construct my own blog and would like to find
out where u got this from. appreciate it
my web site … CBD for anxiety
A friend did it for me. God bless you!